O portal Now Boarding tem um novo colunista: o piloto Sady Bordin.

Com mais de sete mil horas de voo ele vai compartilhar com os

leitores histórias e mostrar o que acontece no mundo da

aviação que, muitas vezes, passam desapercebidas dos

passageiros, na coluna “Fala o comandante”. Boa leitura!

 

Foi com muita alegria que recebi o convite para escrever uma coluna mensal contando histórias e curiosidades do fascinante mundo da aviação.

Há tempos que vinha matutando uma maneira de compartilhar tantas histórias que presenciei, li ou ouvi ao longo de meus doze anos como piloto de linha aérea.

Vão de engraçadas, curiosas, inacreditáveis a assustadoras. Algumas eu sei que são verídicas porque eu mesma as vivenciei. Outras foram publicadas em jornais ou revistas. Muitas, de ouvir dizer, entretanto, não posso atestar a veracidade.

De qualquer maneira, vamos inaugurar essa coluna com uma história surreal! Essa me foi contada por um colega piloto.

O piloto sumiu!

Era para ser mais um voo de rotina, ligando uma cidade à outra.

Todavia, em evento inacreditável ocorreu naquele voo.

Existe uma regra universal, que de tão óbvia, nem precisaria estar escrita em algum manual: durante todo o transcurso de um voo, do momento em que se liga até o momento em que se desliga a bateria do avião, sempre deve ter, ao menos, um tripulante na cabine de comando.

Mesmo com o uso do piloto automático, que fica acionado durante quase todo o voo (ele é acionado instantes após a decolagem e desligado somente momentos antes do pouso), pelo menos um dos tripulantes deve gerenciar o voo durante todo o tempo, observando atentamente a velocidade, a altitude (atualmente os aviões voam com separação vertical de apenas 300 metros!), a rota, os parâmetros do motor (rotação, temperatura, pressão do óleo), o consumo de combustível, além de manter a escuta da comunicação com os órgãos de controle de tráfego aéreo durante 100% do tempo do voo. Ou seja: tem muito trabalho no cockpit, mesmo nos voos longos.

Então, voltando ao nosso voo.

Não é incomum um tripulante se ausentar da cabine de comando para ir ao banheiro, tomar um café ou esticar as pernas. Neste voo, como em tantos outros, o comandante se ausentou da cabine por alguns minutos para tomar um café. Mas, não é que o copiloto decidiu também se ausentar da cabine, em pleno voo, para ir ao banheiro, deixando a cabine de comando sem nenhum piloto?! Isso é algo completamente surreal na aviação.

Para complicar o cenário (desgraça pouca é bobagem, como diz a lenda), a porta dos aviões de passageiros é travada eletronicamente e é necessária uma senha para destravá-la pelo lado de fora.

Ok, dirá você, nada demais. Basta digitar a senha no painel de controle da porta. Como é algo que raramente se usa, o comandante não se lembrava da senha. Tampouco o copiloto.

Lindo, não? Temos um avião comercial, cheio de passageiros, voando a 37 mil pés de altitude, sem nenhum piloto no cockpit. Uau!

Como nem comandante, nem copiloto se lembravam da senha, foram ver se alguma comissária tinha anotado. Eles(as) sempre devem ter essa senha anotada em algum lugar, caso necessitem adentrar à cabine de comando em emergências.

Como era um voo doméstico, eram quatro comissárias. Por sorte, ao menos uma delas tinha feito a lição de casa e anotado a senha em sua agenda.

Digitou-se a senha e os tripulantes voltaram para seus lugares.

Após o pouso, uma investigação foi aberta. O copiloto foi demitido por justa causa por deixar a cabine de comando ao mesmo tempo em que o comandante estava ausente e o comandante levou uma advertência por não ter consigo a senha para abertura da porta.

Uma comunicação foi enviada para todos os tripulantes (comandantes, copilotos e comissários(as)) lembrando a obrigatoriedade de carregaram consigo a senha de abertura da porta da cabine de comando em todos os voos.

Aproveite o seu voo e até a próxima história.

Bom voo!

Sady Bordin tem 58 anos e trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo e atualmente é instrutor de solo e de simulador de voo na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br

 

 

 

A foto que abre a coluna é de David Mark/Pixabay

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