A busca pela ancestralidade milenar sul-americana tem um endereço certo. O viajante que aprecia a vivência mística da natureza, a gastronomia de raízes, o artesanato tradicional e arquiteturas que desafiam a lógica e o íntimo humano, poderá se encantar após uma viagem ao Peru, relatada nesta matéria Despojo e Raiz: do Condor ao Maiz.

Em vinte dias, ao fim de 2011 e começo de 2012, lá estivemos, em grupo de quatro pessoas. Trafegamos por Cusco, Machu Picchu, Aguas Calientes, Puno, Chivay, Arequipa, Canion do Colca e Lima.

De mochila nas costas, folhas de coca à boca e após salutar um mês de preparo físico prévio, chegamos a Cusco, cidade encravada no Vale Sagrado Inca, onde se respira clima seco de altitude. A Catedral de Cusco abriga um tour histórico e ostenta a primeira cruz de madeira trazida para as Américas, por ocasião da expedição de Pizarro, em 1532. As culturas nativas Inca (quíchua) e pré-Inca (aimará) subsistem vivas na culinária, nas vestimentas, na linguagem e na fisionomia locais, emolduradas pela arquitetura colonial espanhola.

Machu Picchu

A verdadeira magia do Peru reside no Caminho Inca. Por quatro dias, ao longo de 42 km, oscilando de 2.400 a 4.200 metros de altitude, atravessamos vales, tangenciamos rios e precipícios, contemplamos diversas ruínas pré-colombianas. O trajeto seria irrealizável sem a equipe de guia turísticos nativos.

Homens que carregam cerca de 25 quilos nas costas, armam tendas, cozinham, contam histórias únicas da cultura ancestral e nos ensinam uma lição de vida e amor às raízes.

Adentramos Machu Picchu pelo Portal do Sol, privilégio exclusivo de quem se aventura pela trilha. A cidade-templo, em sua perfeição, simetria e engenharia, impressiona. As edificações simplesmente escapam às tecnologias atuais.

A reconstrução arqueológica contemporânea chega a ser rude comparada aos traços e estruturas pré-colombianos originais, cujo centenário da descoberta se comemorou em 2011.

Ilhas flutuantes

Viramos o ano em Águas Calientes, ébrios das danças e bebidas locais. O Pisco Sour, caipirinha que leva gema do ovo, é inconfundível e energizante.

O vilarejo, cortado pelo rio Urubamba, envolve recôndita formosura. Termas, restaurantes, lojas e toda infraestrutura de qualidade estão ao sopé de Machu Picchu. Dali, partimos de trem até Ollaytambo – já escaldados da trilha – e de regresso a Cusco, de onde partimos para Puno, ao Sul e às margens do Lago Titicaca, e ponto de parada obrigatório para se conhecer o Museu da Coca.

Visitamos as ilhas flutuantes de Uros, feitos à base de toras, espécie de bambu seco, resistente e leve, que ancora a vida dos residentes, ligada à pesca, caça de pássaros e artesanato.

Retornando a Puno, seguimos para Chivay, ponto de pernoite antes de seguir ao Cânion do Colca, terceira atração mais visitada do Peru. A 3.650 metros de altitude e com precipícios que chegam a mil metros, sua grande atração é o voo do Condor.

A águia andina esteve tímida e não deu as caras. Algo frustrados, seguimos até Arequipa. Os deslocamentos entre as cidades foram feitos de ônibus. Os passeios e trilhas, em grupos maiores. Gente do mundo inteiro vai ao
Peru.

Lima

Saboreamos as variedades de milho e batata, a belíssima Praça de Armas – como é marcante em toda cidade e vilarejo peruanos – e a estadia no Flying Dog Hostel, a preço módico e conforto garantido, já em Arequipa.

A “cidade branca”, como é conhecida, devido à predominância do mármore e cal branco nos muros e edifícios, abriga em sua periferia a Mansão do Fundador, casa colonial que nos transporta aos costumes, mobílias e jardins do Peru colonial.

De Arequipa a Lima, partimos de avião. O Distrito de Miraflores se revelou acertada escolha como ponto de hospedagem para se desbravar a beleza dos penhascos litorâneos, as poesias urbanas e charme natural do Parque do Amor, a modernidade do shopping Miramar e a noite agitada e envolvente limeñas.

O esplendor do centro histórico e o relativo caos do trânsito em Lima contagiam. Coincidência ou não, nossa chegada à capital coincidiu com o desfile dos carros, motos e caminhões que completaram o primeiro rali Paris-Dakar feito nas Américas.

O vinho à base de milho, as mais de três mil variedades de batatas, a música típica peruana, a gentileza e simplicidade das pessoas, os enigmas civilizatórios, a altivez e sagacidade das lhamas, o colorido folclórico e tantas outras nuances saltam aos olhos e preenchem a alma dos visitantes.

Viver um pouco da metade sul do Peru, em vinte dias, sinaliza o prosaico de uma cultura tão rica quanto integrada à natureza.

As melhores estações para empreender uma viagem de fôlego como essa são as estações do outono (abril e maio) e primavera (outubro e dezembro).

Ao custo da alta temporada, investimos R$ 5 mil nesta jornada, de moderado conforto, simplicidade inebriante e espírito de aventura.

Despojo e história, essência do Peru e sua maiz – o milho local, inconfundível. Este grão simboliza um povo solar. Não à toa, a moeda peruana se chama Nuevo Sol. Vale um copo de Inca Cola e um brinde ao nosso vizinho, ‘pulmão andino’, em aimará ou quíchua: “Piruw”.

Ivan Zorde (de camisete verde), jornalista

Publicado no Aeroporto Jornal – abril/2013

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