Mais tarde eu entenderia que há um grande número de coisas que só se aprende em Curitiba. A primeira delas foi conviver com o frio.

Eu vinha de Blumenau, cidade quente, tocaiada no meio de um vale onde o sol parecia eterno. Ao chegar a Curitiba encontrei um frio miserável. Além disso, havia a neblina. E o vento. O vento era o pior.

Fui morar numa pensão na Carlos de Carvalho.

Mas devo falar do frio, que para mim não existia.

Cheguei em março. Para meu espanto, chovia e fazia frio. E havia neblina e ventava. Vim com as roupas que tinha e sai em busca do que fazer naquela cidade que eu visitara anos antes e que fora para mim um assombro: bares, muitos cinemas, livrarias, boates com strip-tease, mulheres muito dadivosas.

Mas eu vivia na maior solidão, o nariz enfiado em livros e jornais, discutindo com meu colega de quarto como sairíamos da quartelada militar em que fôramos metidos. De um lado, os milicos, do outro, o frio.

A primeira descoberta: o frio não era algo externo. O frio não estava fora de nossos corpos. O frio saltava para dentro de nós, vinha residir em nossos ossos. Primeiro ele gelava as canelas, em seguida fazia com que arcássemos os ombros a ponto de sentir dores musculares. Só me restava tremer.

Arranjei emprego no escritório de uma firma que distribuía açúcar e, depois, no escritório de um engenheiro estupidamente grosso, que nos enchia o saco, o meu e o de um pernambucano que trabalhava na outra mesa de desenho. Para espantar o frio, nosso esporte era planejar como jogaríamos o tal engenheiro do alto do edifício Asa.

Esse estado de calamidade friorenta durou uns três meses. Foi quando afinal me ocorreu nova compreensão do clima da cidade. Trouxera uma maleta com camisas de manga curta, calças de tergal, meias comuns e sapato. Em Blumenau jamais precisara mais do que isso. Deu-se então uma enorme iluminação na minha pobre cabeça: havendo frio era preciso se agasalhar, coisa que ainda não me ocorrera.

Só então percebi que os curitibanos andavam encapotados, alguns com cachecol, outros com blusas de lã por cima de camisas de tecido grosso. Achei estranhíssimo. Não seria um exagero? Até então me parecia que, havendo frio, de qualquer grau que fosse, bastaria me habituar a ele.

Estava enganado. Levei dois meses para me convencer de que precisava providenciar um estoque de blusas e casacos, meias de lã, gorro, cachecol e algo que me deixou estarrecido: era preciso usar ceroulas, me diziam. Ceroulas?! Mas ceroulas era coisa de um tempo antiquíssimo, que só vira em comédias do cinema mudo, nas quais sempre havia um tipo ridículo que saltava da cama usando ceroulas.

Resisti. Mas fui obrigado a me render. Comprei ceroulas.

Esse arsenal termodinâmico amenizou meu sofrimento, mas o frio continuava mergulhando para dentro do meu corpo, enregelando meus ossos. O frio residia dentro de mim. E, embora não soubesse, essa era apenas a primeira das lições que aprenderia com Curitiba.

Haveria outras, tão ou mais enregelantes.

Roberto Gomes, escritor

http://www.gomesroberto.blogspot.com

Mais crônicas no Roberto Gomes

Publicado no Aeroporto Jornal – novembro/2016

Photo by Aaron Burden on Unsplash

Comentários

Leave A Comment