Provavelmente você já sabe de cor e salteado a famosa orientação: “Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente”. E não é para menos: antes de cada decolagem, a tripulação de cabine deve fazer as orientações para emergências, informando a localização das saídas de emergência (acredite, mas têm passageiros que correm para a frente do avião em caso de evacuação mesmo quando há uma saída de emergência bem atrás deles!) e sobre o uso das máscaras de oxigênio, casa elas caiam dos compartimentos que ficam logo acima dos passageiros (também conhecidos pela sigla PSU – Passenger Service Unit).

Mas por que elas caem e por que precisamos usá-las?

Inicialmente vamos falar da pressurização da cabine.

O ser humano pode respirar sem problemas até uma altitude de 10 mil pés (3.000 metros).

A título de comparação, a cidade mais elevada do país, Campos do Jordão (SP), está a 1.600 metros de altitude. Por isso, as aeronaves são projetadas para ter uma pressão interna de até 8 mil pés (pode variar de acordo com o modelo de aeronave) durante um voo de cruzeiro a 41 mil pés. Isso significa que você terá uma quantidade de oxigênio dentro do avião similar a que teria se estivesse no topo de uma montanha de 2.400 metros de altura.

A pressão interna da cabine varia de acordo com a altitude do avião.

No exemplo abaixo, temos um avião voando a 36 mil pés com a pressão interna da cabine equivalente a 7.000 pés.

Quem controla essa variação é o sistema automático de pressurização do avião.

Para isso, basta, antes da decolagem, ajustar a altitude do nível final de voo no painel de controle da pressurização. Repare que o botão deve estar na posição AUTO (de automático), caso contrário o sistema não irá pressurizar o avião.

Na imagem abaixo, podemos observar o painel de pressurização de um Boeing 737, programado para um voo de cruzeiro a 37.000 pés.

Para manter a pressão interna maior do que a pressão externa faz-se necessário pressurizar a aeronave, ou seja: colocar ar dentro dela. Isso é feito através do ar vindo dos motores (com exceção do Boeing 787, que usa outro sistema).

Opa, mas esse ar que vem do motor não tem gás carbônico?

Não, pois ele vem da parte fria do motor, que fica antes da câmara de combustão.

Repare no gráfico abaixo que o ar que vem do motor (Bleed air) sai antes da parte quente do motor, onde fica a câmara de combustão, a qual irá fazer girar a turbina do avião. (Por isso não se deve chamar o motor do avião de turbina, pois ela é apenas parte integrante do motor).

Mas, antes desse ar sangrado (do inglês bleed) dos motores chegar até você ele precisa passar pelo ar-condicionado do avião onde será resfriado, pois este ar sai muito quente do motor. Acredito que você não gostaria muito de receber um ar de 300⁰C na sua cabeça.

Abaixo temos a foto de um dos dois ares-condicionados (um de cada lado da fuselagem, próximo a raiz da asa) de um Sukhoi Superjet 100 (aeronave russa similar ao nosso Embraer 190).

SAIBA MAIS: O que acontece quando os motores param num voo

Caso a pressão interna ultrapasse os 14 mil pés (4.200 metros) de altitude, faz-se necessário o uso de máscaras para que os passageiros não percam a consciência.

É nesse momento que as máscaras cairão automaticamente.

Lembre-se que o valor normal é 8.000 pés.

Ok, entendi. Quando a pressão interna atinge 14 mil pés, as máscaras cairão.

Mas o que leva um avião a sofrer uma despressurização?

Bom, pode ser desde um pequeno vazamento na vedação de uma porta, o que leva a uma despressurização lenta, o que dará tempo para os pilotos iniciarem uma descida rápida a fim de evitar a queda das máscaras (sempre que isso acontece, é aberta uma investigação e a tripulação fica suspensa de voar) ou, num cenário mais complicado, a abertura de um buraco na fuselagem, que leva a uma perda instantânea da pressurização (foto abaixo).

Agora uma coisa que talvez você não saiba. Não existe oxigênio armazenado sobre os passageiros.

Ué, de onde, então, vem o oxigênio?

De uma mistura química feita pelo gerador de oxigênio que fica na PSU (foto abaixo). Como esse oxigênio resulta de uma reação química, ele irá gerar muito calor (a temperatura do gerador pode chegar a 400⁰C) e também um forte cheiro de queimado. Por isso, se você um dia vier a usar a máscara de oxigênio (depois me conta como foi), não se preocupe com o cheiro de queimado. É normal nestes casos.

Imagine, então, que estamos voando de Recife para Lisboa e no meio do Atlântico o avião sofre uma despressurização explosiva. As máscaras cairão automaticamente na sua frente e você irá respirar tranquilamente. E os pilotos, o que farão?

O que fazem exatamente nos simuladores de voo. Nós, instrutores de simulador, sempre damos essa pane para treinar os pilotos. Primeiro e antes de tudo, irão vestir as máscaras de oxigênio, que, por sinal, são diferentes dos passageiros. Elas oferecem oxigênio armazenado em cilindros de oxigênio. Essas máscaras são projetadas para serem operadas com apenas dois dedos (o polegar e indicador) e podem ser colocadas em apenas 7 segundos.

Isso feito, os pilotos podem, então, com calma e elegância, iniciar a famosa descida de emergência até o nível de segurança – 10.000 pés – onde será possível aos pilotos e passageiros respirar sem o auxílio das máscaras.

Mas o avião pode voar despressurizado?

Sim, pode, sem problema algum. Na verdade, a pressurização existe apenas para assegurar a vida a bordo. Ela não interfere na dinâmica do voo. Muitos aviões militares voam a altas altitudes sem serem pressurizados. Nestes casos, os pilotos voam com máscara o tempo todo.

Finalmente, atingindo a altitude de segurança, pode-se prosseguir para uma alternativa de voo onde tenha uma pista de pouso compatível com o tamanho da aeronave e com assistência para os passageiros.

Bom voo e até o próximo encontro.

Sady Bordin tem 58 anos.  Trabalhou como piloto de linha aérea por 12 anos, sendo 5 como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo.  É instrutor de simulador na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br

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