ELE ESTÁ NA TELA DA GLOBO. É o personagem Edgar Athayde da principal novela da emissora, a das 9 da noite, “O Segundo Sol”, mas mesmo assim, Caco Ciocler não se impressiona com esse destaque. Ele sabe que o que importa é o trabalho. Aliás, trabalho, na mesma Globo, que o tirou de um sufoco, história que ele conta nessa entrevista. Onde conta sobre suas viagens e diz onde se deve tomar cuidado aqui na América do Sul.

NOW BOARDING – Você começou, aos 10 anos, atuando num grupo de teatro amador. Aos 24 ganhou o Prêmio Mambembe de Melhor Ator Coadjuvante por uma atuação em teatro e no ano seguinte você foi para a tv. A televisão estava nos seus planos ou seu foco era só o teatro?

CACO CIOCLER – Dizer que estivesse nos meus planos não seria honesto da minha parte porque a televisão parecia, na época, uma realidade muito distante. Mas não vou ser hipócrita. Claro que fazia parte do meu imaginário. Não como um objetivo em si, mas como um caminho que pudesse garantir minha sobrevivência naquele momento conturbado da minha vida e ajudar a impulsionar uma trajetória profissional que estava começando. E a estreia não poderia ter sido melhor, foi na novela “O Rei do Gado”, sob a batuta de Luiz Fernando Carvalho, num trabalho que me rendeu o prêmio APCA de Ator Revelação daquele ano.

NB – Pode dizer o que estava complicado na sua vida à época?

Caco – Bom, eu tinha 24 anos, cursava ao mesmo tempo o 4° ano de Engenharia Química e a Escola de Arte Dramática, ambas na USP (Universidade de São Paulo). Como você mesmo lembrou, ganhava meus primeiros prêmios como ator e precisava tomar uma decisão. Para complicar, soube que iria ser pai, então precisava assumir finalmente qual das duas seria minha profissão, precisava de um trabalho, sair da casa dos meus pais, construir um lar para minha nova família… Joguei tudo para o universo e, uma semana depois da notícia da paternidade, recebi o convite para fazer a novela. Ou seja, minha vida deu uma guinada e tomou seu rumo num intervalo de duas semanas.

NB – Então, qual a diferença entre atuar no teatro e na teledramaturgia?

Caco – No teatro você tem um processo longo de ensaios, onde pode testar possibilidades, encontrar os caminhos. É um longo caminho de construção que culmina numa obra mais bem “combinada”, digamos assim. Claro que as peças se modificam durante uma temporada; você vai entendendo muita coisa na presença do público, mas já na estreia existe um acordo bastante claro da linguagem e dos caminhos escolhidos. Na televisão, por mais que algumas produções já tenham entendido a importância dos ensaios, e a não ser que seja uma obra fechada (uma minissérie com um diretor que saiba muito bem o que quer), esse processo se dá meio que na frente do público. Você vai juntando as peças, descobrindo quem é conforme vai recebendo os capítulos e gravando as cenas; conforme vai entendendo também os caminhos escolhidos por seus parceiros de contracena. Por outro lado, a tv possibilita que você se veja durante esse processo de criação e possa ir corrigindo escolhas. Além disso, no teatro o mergulho dos personagens é mais vertical, na tv, via de regra, são corridas mais de fundo, de longas distâncias, com longos períodos de calmaria e dramas cotidianos intercalados com semanas de reviravoltas mais intensas. No teatro vale o jogo cênico. A peça não funciona se não estiver acontecendo vida no palco, faíscas de criação, como gosto de chamar. Já na tv tem muito ator que não joga, mas funciona muito bem na tela. O jogo na televisão é com a câmera. No teatro, a gente revive a mesma história todos os dias, a cada apresentação se lança mais ou menos na mesma aventura. Na tv a gente vai juntando as peças de uma história que dura 8, 9 meses. Cada dia uma peça nova na construção da trajetória de seu personagem e da trama. No teatro o ator é dono de seu trabalho, na tv o trabalho do ator é modificado pela direção, seja na escolha do que é ou não enquadrado, seja na edição, que molda os tempos, deixa ou subtrai pausas e silêncios que são tão importantes quanto as falas.

NB – A gente ouve de alguns artistas que a rotina de gravação de uma novela é desgastante. Pode nos contar como é seu dia de trabalho?

Caco – O que talvez algumas pessoas não saibam é que a novela vai sendo escrita junto com sua exibição. Então toda semana a produção recebe um bloco novo de 6 capítulos (que completam uma semana da novela no ar) e divide todas as cenas desse bloco pelos cenários. Depois prepara o que a gente chama de roteiro de gravação, que diz em qual dia da semana seguinte determinado cenário será montado e em qual dia serão feitas as chamadas “externas”. Então, o que é desgastante é que a gente fica sabendo só na sexta-feira em quais dias da semana seguinte gravaremos quais cenas. É uma vida sem rotina. A gente só consegue marcar médico, compromissos pessoais com a família, amigos, ou qualquer outra coisa, quando sai esse roteiro. Se no roteiro sai que na segunda serão gravadas, por exemplo, as cenas da casa do seu personagem, todas as cenas escritas nesse cenário serão gravadas nesse dia. Se seu personagem tem muita cena nesse cenário, então você pode gravar mais de 25 num dia só. Se seu personagem passeia por vários cenários significa que você vai gravar muito a semana inteira. Então tem dia que é realmente muito cansativo, porque tem a questão emocional também. Pode acontecer de serem 20 cenas difíceis, com estados emocionais muito distintos. A gente sai realmente muito exaurido. Mas tem dia que a gente não grava também. Então depende muito do tamanho do personagem, do momento que ele está vivendo na trama e se ele passeia ou não pelos diferentes núcleos da novela. E depois, quando você chega em casa, exausto de um dia puxado, ainda tem que decorar e estudar as cenas do dia seguinte.

NB – O que você faz para relaxar dessa carga de trabalho?

Caco – Fico em casa, perto das pessoas que amo ou saio com os amigos para papear. Vou ao cinema, ao teatro, respondo entrevistas, leio um livro, uma peça, um roteiro.

NB – Você tem trabalhos no cinema como ator e dois como diretor, nos filmes “Trópico de Câncer” e “Esse Viver Ninguém Me Tira”. O que é melhor: atuar ou dirigir?

Caco – São coisas bem diferentes. Não conte para ninguém, mas eu prefiro dirigir. Como ator, se não for no teatro, ainda me sinto muito pouco dono do meu trabalho.

NB – O livro “Zeide: a travessia de um judeu entre nações e gerações” que você lançou em 2017 é ficcional, mas, na vida real, você viveu algum preconceito?

Caco – O livro é ficcional, mas parte de lembranças de histórias reais vividas por 4 gerações de filhos que se tornaram avós na minha família. Não fala de preconceito, não lembro de ninguém próximo se queixando de preconceito, por mais que meu avô tenha vindo para o Brasil fugindo de perseguições. Sempre vivi num ambiente judaico, seja na escola ou no clube onde passava meus dias. Às vezes ouço piadas, recheadas, claro, de muito preconceito, mas como são contadas por amigos e como eu adoro piadas, não me soam agressivas. Lembro apenas de ter me incomodado uma vez, na internet, quando alguém disse num comentário de uma crítica que escrevi de um filme, a pedido de um jornal, que tinha vontade de quebrar meu nariz de judeu. Pesquisei a foto do sujeito pelo nome que aparecia e respondi em uma das suas redes sociais que eu havia lido seu comentário e sentia vontade de pentear seus cabelos de cristão. (risos) Nunca mais tive notícias suas.

NB – Voltando à vida de artista. Fazer uma novela da Globo dá projeção e, certeza, assédio. Como é viver esse turbilhão durante a exibição de uma novela e depois, vamos dizer assim, voltar à vida normal. O ator sente muito isso?

Caco – Eu trabalho muito, sempre trabalhei muito, vivo emendando uma coisa na outra e, sinceramente, acho o assédio a parte menos interessante da profissão. Quando uma novela acaba eu já estou ensaiando uma peça, filmando, escrevendo ou envolvido em algum outro projeto. Não dá tempo de sentir vazio. Nossa vida se confunde muito com nosso ofício, porque nosso corpo e nossas vivências são o próprio instrumento de nosso trabalho. A vida nunca volta ao normal. Vida e trabalho são uma coisa só. Estamos em constante transformação.

NB – Como está seu passaporte? Quantos carimbos ele tem?

Caco – O novo tem poucos, apenas Portugal, onde passei a virada do ano e numa turnê com a peça “A Tragédia e a Comédia Latino-Americana”, que incluiu também a Alemanha. Mas no antigo tinha Estados Unidos, Israel, Espanha, Argentina, Chile, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Peru, Dinamarca, França, Itália, México, Holanda, Espanha, Austrália, Quênia, Grécia e Turquia.

NB – Qual o lugar que você conheceu, voltou e voltaria novamente? Por quê?

Caco – Buenos Aires, Israel, Portugal e Paris. Buenos Aires porque eu amo, e amor a gente não explica. Me sinto muito bem ali. Tem bom teatro, bom cinema, boa comida. Eu amo. Israel porque visitei quando tinha apenas 15 anos; depois voltei para filmar meu documentário, mas fiquei tão pouco tempo e foi tão corrido que não pude ver as grandes transformações pelas quais o país tem passado. Dizem que está lindo. Portugal porque me sinto em casa, tenho amigos, fica perto de tudo e Paris porque choro toda vez que visito. Paris me faz lembrar o quanto a beleza, a arte e a harmonia são importantes para a minha vida.

NB – E na contramão: que lugar não recomendaria para visitar?

Caco – Fui muito feliz em todas as viagens que fiz. Não existe lugar que eu não recomendaria, apenas pediria atenção na fronteira entre o Peru e a Bolívia, onde fui extorquido por policiais numa viagem de motorhome pela América do Sul que fiz junto com meu filho.

NB – Você é avô novo, vai levar sua neta para a Disney?

Caco – Minha neta vai morar numa fazenda; meu filho vai plantar café orgânico. Não sei se vai se interessar pela Disney, não sei nem se vai conhecer seus personagens e histórias, mas pode ser que seja uma boa ideia. Vamos esperar ela crescer um pouco… (risos)

Publicada na Now Boarding – agosto/2018

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