Nos últimos anos, uma das consequências da globalização foi o boom mundial do chamado turismo “morde e foge”. Isto é, o turismo rápido, de poucos dias ou poucas horas, que não busca qualquer ligação ou empatia com o território, nem o respeito pelos seus habitantes, sua cultura ou patrimônio.
Para a maioria desses turistas, o objetivo principal é simplesmente tirar uma selfie, ressaltando um profundo sentimento capitalista onde se acham donos do destino apenas porque pagaram para alcançá-lo.
O resultado é evidente: a destruição de obras de artes em museus, a depredação de monumentos e lugares históricos ou naturais, até o uso de igrejas e santuários como banheiro público….
Em contraposição, um turismo mais sustentável tem roubado espaço no mercado. O turismo slow propõe práticas mais respeitadoras das áreas territoriais e da cultura local, ao mesmo tempo visa maior oportunidade de crescimento para a indústria do turismo como um todo.
Trata-se de “garantir que as atividades turísticas respeitem o conhecimento, a cultura, o patrimônio e seus ambientes sociais e ecológicos, trazendo, dessa forma, oportunidades de trabalho e benefícios econômicos e sociais a população local”, conforme um relatório italiano sobre turismo sustentável e ecoturismo da Fundação Território e Sustentabilidade. Clique aqui para ter acesso.
Contudo, com a pandemia de Covid-19, mesmo esse turismo de nicho, ecológico e cultural sofreu uma perda relevante e o resultado foi novamente uma mudança de velhos e novos paradigmas no setor.
No verão passado italiano, por exemplo, o turismo conviveu e se adaptou com uma série de ações preventivas e medidas restritivas: horário escalonado para a utilização das praias, quantidade reduzida de visitantes em museus, sítios turísticos, exigência de pré-reserva para restaurantes, bares e casas noturnas, apresentação de passaporte vacinal, entre outras medidas.
Com essas restrições e exigências, apesar da expectativa do setor ser de um novo incremento aos danos econômicos enormemente já suportados, observou-se um fenômeno particular, a criação de um turismo versão smart. Isto é, mais caro e restrito, mas, acima de tudo, organizado e dependente das estruturas e relações humanas locais. O turista, para conseguir se mover tranquilamente nesse mar de novas informações, regulamentos e restrições, necessitou de uma boa organização prévia de sua estadia e, principalmente, do apoio individual de guias, albergues, hotéis, agências de viagens, operadores de transporte e mobilidade e instituições públicas locais.
Ademais, houve uma maior radiação do turismo que continuou fora do pico sazonal devido ao receio de aglomeração. Melhor dizendo, com o cerceamento do número de visitantes nas principais atrações, cidades e praias mais famosas, o turista necessariamente se direcionou a outras atividades não tão conhecidas e em período mais tranquilo.
Na Costeira Amalfitana, por exemplo, região mundialmente conhecida por suas praias deslumbrantes e pelas famosas cidades de Amalfi e Ravello, houve um acréscimo notável de passeios relacionados ao conhecimento do patrimônio cultural de pequenas cidades vizinhas e do patrimônio cultural imaterial local, como realização de trajetos/passeios/estadias ligados ao turismo de montanha nas encostas com jardins verticais suspensos, ao conhecimento da história e da culinária local, da tradição da agricultura familiar do limão amalfitano, às antigas vinícolas romanas.
Consequentemente, o turismo “morde e foge” sofreu um grande impacto e o turismo “inteligente”, valorizando formas alternativas de visitação, mais segura, responsável e perspicaz, teve um crescimento evidente, desenvolvendo novos potenciais cultural, ecológico, social e artístico da região, tornando-se assim interessante não só para os turistas, mas também para a população local.
Diante da recente tragédia ocorrida no Brasil com o deslizamento da encosta rochosa de Capitólio, em Minas Gerais, testemunhamos a importância dessa mudança de paradigmas para o setor turístico: um turismo sustentável, organizado e seguro é fundamental para todos! Para o turismo, para o turista, mas igualmente para a comunidade local que busca respeito e preservação do seu patrimônio natural e cultural e dos seus valores tradicionais construídos.
Priscilla Santos da Silva, é uma brasileira que mora em Na Costa Amalfitana, no sul da Itália, formada em Relações Internacionais e mestranda em Diplomacia que atua no turismo há mais de oito anos prestando serviços na área governamental e privada. @estudantenomade @acostaamalfitana
Anita Mattes, professora de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, doutora pela Université Paris-Sanclay, mestre pela Université Panthén-Sorbone, conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e advogada do Studio Mattes