Ali estavam os dois, falando baixinho ao telefone, pois as paredes têm ouvidos, como sabemos. Trocavam conversa fiada naquele dia de frio e chuva fina, dessas que não existem para irrigar o solo, mas para encher a paciência dos viventes que querem apenas uma janela para olhar o mundo lá fora.

– Você não acha curioso?

– O quê?

– Nós dois aqui conversando.

– Não – fez uma pausa cheia de surpresa. – Quer dizer, acho.

Houve um silêncio longo, que só eles poderiam entender. Ela aproveitou para ir até o quarto e pegar uma manta na qual se enrolou. Voltou amaldiçoando o frio.

– Que disse?

– Nada. Reclamei do frio.

Ela retomou a conversa:

– Você dizia que…

– …acho estranho estarmos conversando tanto. Mal nos conhecemos. Já notou que só ao telefone conseguimos conversar? Quando nos encontramos é um tumulto, nem dá tempo para conversar.

Um encontro ao acaso, numa reunião de ex-alunos. Nunca haviam se encontrado. Começaram a conversar no refeitório, segurando bandejas, servidos por senhoras que sorriam educadamente e perguntavam se queriam mais alguma coisa.

Foram direto para o hotel no qual ela estava hospedada. Entraram no quarto sem se tocarem. Após o corredor estreito, sentaram-se na cama, como se não soubessem o que fazer. Ela vestia uma blusa azul e uma saia branca. Ele vestia uma camiseta vermelha e um jeans comprado no dia anterior. Estava quente, era verão. Sem entender por qual razão, se sentiam felizes.

– Não é curioso? Mal nos conhecemos e…

– …parece que sabemos tudo um do outro.

Desconheciam até aquele momento os nomes um do outro. E decidiram que seriam melhor assim.

– Verdade. E não sabemos quase nada de…

– O número dos telefones. Só isso.

– Eu esperava por alguém assim, que falasse comigo sem exigir nada.

– Por isso nem perguntei teu nome. Achei que…

– Eu também. Um nome às vezes atrapalha.

Ela tentou dizer alguma coisa. Não conseguiu. Ficaram em silêncio. Ele retomou o fio da conversa:

– Dia desses minha família veio em comitiva conversar comigo. Não nos reuníamos há seis meses. Ficaram horas me questionando. Meu cabelo, meu dinheiro, meu envelhecimento, minhas dores nas costas, meu desânimo.

– Igualzinho. Conheço esse filme.

– Por que será… – não conseguiu completar a frase.

– É muita chateação, concluiu ela.

Separados por quilômetros de distância, deram a mesma gargalhada e combinaram que logo marcariam mais um encontro.

– E onde será? perguntou ela.

– Lembra de…

– Não. Já fomos lá duas vezes. Que tal?…

– Já sei!

Acertaram os detalhes em seguida, dia, hora de chegada e – só de molecagem – escolheram antecipadamente o vinho que tomariam.

Não sabiam nada um do outro, mas eram quase felizes.

Roberto Gomes, escritor

www.gomesroberto.blogspot.com

Outras crônicas aqui Roberto Gomes

Publicado no Aeroporto Jornal – dezembro/2016

Photo by Quino Al on Unsplash

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