Trancafiado num estúdio a trabalhar, meu filho me pede para confirmar uma reserva de passagem aérea. Respiro fundo e sinto o golpe. Todos sabemos o que significa enfrentar telefones dessas centrais de atendimento. Temendo pelo pior, disco para o 0800.

Sou atendido por uma voz mecânica:

– Para atendimento em português, disque um, para aten…

Disco 1.

– Se for passageiro, disque 1, se for agên…

Disco 1.

Se for para tratar de reservas, disque…

Disco 1.

– Para sua segurança esta conversa poderá ser gravada…

Minha segurança? Não me sinto ameaçado a não ser pela tal voz mecânica. Alguém nos espiona? Fico perplexo sempre que ouço essa advertência.

Fim da voz mecânica. Entra voz supostamente humana:

– Aqui glub glob tchã plasht!

Que me perdoem os leitores, mas foi o que entendi.

– Alô, senhorita, pode repetir? Com a cabeça fora da água, por favor.

– Como, senhooor?

– Nada, esquece.

– Aqui é Marzita Floripes. Em que posso servi-lo?

Explico: preciso confirmar uma reserva feita por meu filho, pois no site apareceu uma mensagem dizendo que houve um problema de conexão.

– Qual o código da reserva, senhooor?

– Não é possível pesquisar pelo nome do meu filho, dia do voo, saída e destino?

– Não, senhooor.

Antes que me chame novamente de “senhooor”, prolongando molemente a sílaba final, como é costume dessas atendentes, desligo. Ligo para meu filho:

– Pedem o número da reserva.

– Está no anexo ao e-mail, diz ele.

Vou ao anexo. Lá está, em tipo cinza claro sobre fundo branco, praticamente invisível – certamente por razões de segurança. Um teste para míopes.

Refaço todo o caminho, disco 1, 1, 1 etc.

– No que posso servi-lo, senhooor?

É outra voz. Ou será a mesma? Repito toda a explicação. Informo o código de reserva. Ela diz o nome de meu filho, eu confirmo. Ufa! Vai funcionar.

– E o número do cartão de crédito, senhooor?

– Precisa?

– Sim, senhooor.

Desligo. Ligo pro meu filho. Ele me passa o número do cartão. Ligo.

Quando chego ao número do cartão, outra voz me pergunta: e o código de segurança, senhooor?

Nem espero, desligo. Ligo para o meu filho. Peço o código de segurança. Retorno. Depois que informo o código de segurança o clone da primeira voz me pede o prazo de validade do cartão.

A paciência explode:

– Mas por que não pediram antes?! É o quinto telefonema que dou!

– Ocorre que jaskl prst weenuf nenúnfares, senhooor.

Desligo. Desconfio ter sido xingado. Aquele nenúnfares me parece suspeito.

Munido do código, do prazo, refaço tudo, e penso que se eu escrever sobre isso os leitores não vão acreditar. Informo todos os dados, pergunto se está tudo correto, a voz me diz, fanhosa:

– O número do telefone de seu filho, senhooor.

Ah, esse eu sei! Agora me vingo! Digo o número e a voz contesta: aqui tenho outro número, senhooor

– Tenho certeza que esse é o número do telefone, senhooora.

– Não é o número que seu filho digitou no site, senhooor.

– E qual número ele digitou?

– Não posso lhe dizer, senhooor.

Desisto. Desligo. Ligo para o meu filho.

– Você tem outro telefone?

Ele me explica que errou o último algarismo ao digitar no site. Refaço todo o caminho. 1, 1, 1, etc. Quando chegamos ao número de telefone explico que no site meu filho digitou errado o último algarismo. A nova voz, por certo percebendo que eu estava de arma em punho, diz que fará a correção sem problemas. E por que a voz anterior não o fez? Deixo pra lá.

– Bom, digo eu, está tudo certo? Não vai anotar o código de segurança?

– Não precisa, senhooor.

Fico atônito:

– Não precisa?! Mas… a outra atendente me pediu…

Ela nem me ouve e encerra o papo:

– Amanhã seu filho receberá um e-mail confirmando a reserva.

E, com voz mecânica, dispara a recitar entediada um texto (mal escrito) no qual a companhia se diz muito honrada e…

Desligo. É a única vingança que me resta.

Roberto Gomes, escritor

www.gomesroberto.blogspot.com

Publicado no Aeroporto Jornal – junho/2016

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