COMEÇAVA A ANOITECER, MAS O CAMINHO JÁ ERA ILUMINADO POR ALGUMAS LÂMPADAS PREGUIÇOSAS, DESSAS QUE FAZEM MAIS SOMBRA DO QUE LUZ. Os dois homens passaram um pelo outro e um deles, mais baixo e usando óculos, cumprimentou:
– Boa tarde!
O outro homem, alto e forte, parou num tranco e se aproximou:
– O senhor disse?
– Boa tarde. É verdade que é quase noite, mas…
– Tá bom. Olhe aqui.
O baixinho olhou na direção da cintura do grandão e viu um cabo de revólver.
– Um revólver? – o baixinho olhou em volta, mas correr não lhe pareceu um bom negócio, as balas seriam mais rápidas do que suas pernas; arriscou: Que mal lhe pergunte, vai fazer o quê com ele?
O outro sorriu:
– Assaltar o senhor.
– Mas isso…
– Sinto muito, doutor, mas tô precisado. O chato é que o senhor me deu boa tarde.
– Desculpe-me. Mas por isso vai me assaltar?
– Não – o grandão chegou a rir – Por isso estou em dúvida. O povo passa por mim e nem me vê, quanto mais dizer boa tarde.
O baixinho respirou aliviado:
– Desistiu, então?
– Não sei.
O baixinho aproveitou:
– Veja. Eu saí para caminhar, estou aqui de bermuda, camiseta e tênis. Não há o que roubar de mim. Que tal deixar para outro dia? Prometo trazer a carteira.
O sujeito tirou o revólver da cintura, olhou em volta e disse:
– Senhor é engraçado.
– Nem tanto.
– Dá boa tarde a quem não conhece, anda por aí quando está anoitecendo e não tem nada no bolso?
O baixinho suava frio, mas manteve a pose:
– Já ouviu falar em Pixinguinha?
– Sim. Eu toco cavaquinho no conjunto lá da vila.
– Pois então. Um dia ele foi abordado por um assaltante. Quando explicou que era o Pixinguinha, o ladrão desistiu do assalto. E Pixinguinha o levou para jantar na casa dele.
– O senhor é compositor?
O baixinho mentiu:
– Sou.
– Tem um rango legal em casa?
– Tem. Vamos lá?
Foi quando passou por eles um sujeito com uma pasta debaixo do braço.
O assaltante pediu:
– Espera aí. Vou ver o que tem naquela pasta e já volto.
O baixinho não esperou.
Publicada na Now Boarding – maio/2018