Não resta dúvida: decolagem e pouso são as fases mais emocionantes do voo, tanto para passageiros como para os pilotos.

Entretanto, são também as que requerem maior atenção dos pilotos, pois são consideradas fases críticas do voo onde uma decisão tomada numa fração de segundos (rejeitar uma decolagem ou iniciar uma arremetida, por exemplo) pode ser a diferença entre uma história com final feliz ou não.

A correta aplicação da divisão de tarefas e de responsabilidades entre o piloto que efetivamente está pilotando o avião (PF) e do piloto que está monitorando o voo e auxiliando o piloto que está no comando do avião (PM) é um dos pilares da segurança de voo. Por isso esta separação de tarefas e sua aplicação é altamente recomendado para assegurar um voo seguro, seja num avião de pequeno porte seja num imenso A380.

A divisão de tarefas no cockpit ocorre em todas as fases do voo, desde o instante em que os pilotos entram na cabine até o momento em que eles deixam o cockpit no final da viagem.

No artigo de hoje iremos abordar as atribuições de cada piloto durante a corrida de decolagem. Para efeitos didáticos, vamos considerar o início desta fase do voo no momento em que o controlador de voo autoriza a decolagem.

Não custa lembrar que, tanto as ações dos pilotos e o que cada um deve falar e verificar estão detalhadamente descritas no SOP (Standard Operating Procedures) de cada empresa, podendo, evidentemente, sofrer variações de companhia para companhia.

Todavia, independentemente das diferenças entre as companhias, o SOP busca a padronização das operações e, principalmente, a segurança do voo. Desta forma, pilotos sem nunca terem visto a cara um do outro na vida, podem assumir um voo juntos e operar uma aeronave de forma segura e sem conflitos.

A seguir veremos, passo a passo, o que cada piloto deve fazer e falar durante a corrida de decolagem.

Após os pilotos receberem a autorização de decolagem (“Sul123, livre decolagem, pista 15, vento 150 graus com 10 nós”), o PF (piloto que efetivamente irá pilotar o avião) leva as manetes de potência para a posição de decolagem e pede para o PM: “Check thrust” (Cheque a potência). O PM olha para o instrumento que indica a potência dos motores (foto abaixo) e quando a potência atingir o esperado (repare tanto no símbolo verde do lado esquerdo do indicador de potência como também no número verde – 81.3), responde: THRUST CHECKED. (Potência checada). Caso a potência não atinja o valor desejado ou se houver uma assimetria de potência, a decolagem é interrompida.

Prosseguindo na decolagem, quando o indicador de velocidade atingir 80 knots (148 kms/h), o PM irá dizer em alto e bom som: “Eighty Knots” (oitenta nós). Seu colega, o PF, irá conferir a velocidade no seu painel, pois existem dois painéis idênticos (foto abaixo), o do comandante e o do copiloto. Se sua velocidade também estiver passando por 80 knots, ele responderá: Checked!

OK, mas vamos imaginar que o PM se distraiu e a velocidade já está em 100 knots (foto abaixo)? Neste caso, para não interromper a decolagem, é permitido que o PM leia e diga a velocidade do momento: “100 knots”, no exemplo abaixo.

Mas por que é tão importante essa conferência da velocidade durante a corrida de decolagem?

Primeiro, para saber se o PM não está incapacitado por um mal súbito ou porque está com os pensamentos em outro lugar, menos no cockpit! Sim, porque se ele não falar “80 knots”, a corrida de decolagem deverá ser interrompida pelo PF.

Segundo, para saber se ambos os indicadores de velocidade estão falando a mesma língua, pois esses instrumentos são alimentados por fontes de informação diferentes e independentes.

Cada um dos pilotos tem seu próprio tubo de Pitot, o qual fornece a velocidade do avião. O do comandante fica do lado esquerdo do nariz do avião e o do copiloto do lado direito (foto abaixo). Caso haja uma discrepância entre as indicações de velocidade do comandante e do copiloto, a decolagem deverá ser interrompida.

Terceiro: ao passar dos 80 knots (148 kms/h), a decolagem somente será interrompida por alguma falha muito grave, como perda de potência, indicação de fogo ou fumaça ou perda de controle direcional. Falhas menores, como perda de um gerador ou de uma bomba hidráulica, serão desconsideradas nesta fase crítica do voo e a corrida de decolagem será mantida.

Continuando nossa decolagem: o PM irá novamente olhar para o velocímetro e irá dizer em alto e bom som “V one” (V1) quando a velocidade atingir essa marca (foto abaixo). Isso significa que em hipótese alguma a decolagem será interrompida a partir deste momento, não importa a gravidade da pane. Por quê? Porque pelos cálculos de análise de decolagem, não será mais possível parar o avião nos limites da pista se houver uma interrupção da decolagem a partir daquele momento. Então, mesmo com a perda de potência em um dos motores ou com uma indicação de fogo, deve-se prosseguir com a decolagem.

Logo em seguida, o PM irá dizer “Rotate”, que é o momento em que o PF irá puxar gentilmente o manche para começar a tirar o avião do chão.

Na foto abaixo, pode-se ver que a V1 será de 140 knots e logo após vem a Rotate (R).

Ao sair do chão, os pilotos terão a confirmação de que o avião está ganhando altura através da velocidade vertical, olhando o indicador no lado direito do painel (foto abaixo com a indicação de 1.650 pés por minuto de razão de subida). O PM irá confirmar que o avião está subindo (olhando o painel) dizendo “Positive Rate” (razão positiva) e o PF irá pedir “Gear-Up” (Recolher o trem de pouso).

A próxima ação na cabine dar-se-á quando a aeronave estiver passando por uma altura de 400 pés (121 metros). O PM irá ler no altímetro essa altura e irá falar “Acceleration altitude” (altitude de aceleração). O PF irá, então, pedir “Climb sequence” (sequência de ações durante a subida a ser executada pelo PM).

Essa sequência de ações inclui o recolhimento dos Flaps, a seleção dos modos lateral e vertical de navegação, a seleção de mudança do regime de potência dos motores (se você for um passageiro atento, já deve ter percebido a diminuição da potência dos motores após a decolagem) entre outras ações, como falar com a torre de controle.

Veja que se não fosse pela divisão de tarefas na cabine, ficaria complicado saber o que cada piloto deveria falar ou fazer em cada momento do voo.

Esse é apenas um dos motivos pelos quais a aviação é um dos meios de transporte mais seguro do mundo.

Ah, legal! Então o avião foi projetado para dois pilotos e há uma divisão clara de tarefas entre eles, mas e se um deles precisar ir ao banheiro? Acabou a segurança do voo? A resposta fica para o próximo encontro.

Bom voo e até breve.

Sady Bordin tem 58 anos. Trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo. Foi instrutor de simulador na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br

 

 

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