O Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgão que delibera sobre as questões do meio ambiente no país, votou e aprovou dia 28 de setembro alterações que, segundo ambientalistas e professores, podem degradar praias e represas. Essa decisão foi contestada na Justiça que, no dia 29 suspendeu provisoriamente, por ordem da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, as mudanças, tem implicações para o turismo.
Antes da decisão do Conama, é preciso lembrar que a estrutura do Conselho foi, a partir da posse do presidente Jair Bolsonaro, alterada para dar ao governo a maioria de votos em suas decisões.
Em julho de 2019 o Conselho aprovou a alteração de 93 para 23 membros a fim de, segundo o que se informou à época, garantir “o princípio da proporcionalidade e eficiência administrativa. A ideia é tornar o trabalho desenvolvido em plenário e nos grupos temáticos mais objetivo e com melhor foco de atuação”.
Resolução 500
O Conama é responsável pelo estabelecimento de normas para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, determinação de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados e avaliação da implementação e execução da política e normas ambientais do país, definindo sistemas de indicadores.
Como está, o governo tem condições de aprovar as medidas que desejar, sem muito contestação. A Resolução 500, que revogou as resoluções 284 (exigia que projetos de irrigação precisassem obter licenciamento ambiental), 302 (permitia empreendimentos em áreas de represas artificiais mas a 30 metros do entorno dos lagos) e 303 (impunha limites às áreas de preservação permanente no litoral e protegia regiões de manguezais e restingas), então, para ser efetivada, terá que percorrer um caminho na Justiça.
Mas, ela vigorando, no que afetará o Paraná?
Desde o século passado existe uma discussão sobre turismo e preservação do meio ambiente. A atividade econômica do turismo vem, cada vez mais, ganhando espaço como receita em diversos países que fazem de tudo para conquistar os dólares dos turistas que ajudam a economia local e, também, impulsionam uma significativa massa de empregos.
E o Paraná não está fora desse cenário.
Opção pelo turismo
Na campanha e no governo, Ratinho Júnior e seu vice Darci Piana, não cansam de valorizar o turismo, no que são seguidos pelo secretário Márcio Nunes, do Desenvolvimento Sustentável e Turismo. Nunes destaca, em muitas de suas falas, que sua gestão na Secretaria será a de facilitar e promover o turismo e isso implica, muitas vezes, em agilizar processos de licenciamentos que devem ser solicitados junto à sua pasta.
Cabe aqui dizer que é salutar que o Paraná tenha uma administração que entende que o turismo é uma fonte de renda para a população e que quanto mais desenvolvimento, empreendimentos e empresários invistam no Estado, melhor para todos.
Mas aí pode residir um conflito: até que ponto fazer tudo pelo turismo quando está envolvido o meio ambiente?
É o que está em discussão com a Resolução 500 do Conama.
Ao retirar entraves para que se possa intervir em restingas, manguezais e áreas próximas a represas artificiais abre-se a perspectiva e possibilidade do avanço, nessas áreas hoje preservadas, de empreendimentos não só turísticos, mas empresariais, comerciais e particulares, como residenciais.
Por enquanto, nada muda
A Now Boarding ouviu professores e profissionais ligados ao meio ambiente para prever o que pode acontecer no Paraná se a Resolução 500 entrar em vigor.
Professora Titular de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marcia Cristina Mendes Marques lembra que as resoluções revogadas vinham sendo aplicadas desde 2002 e ressalta que o Conama “tem a função de detalhar pontos que são previstos em leis maiores, dependendo do contexto onde esta lei deve ser aplicada”. E cita a Lei 12.651/2012 que prevê que restingas e manguezais são considerados Áreas de Preservação Permanente (APP) e que assim devem ser preservados.
No mesmo tom vai o doutor em Ecologia e Preservação e coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR), Eduardo Carrano, que afirma: “A nova resolução não traz nenhum ponto positivo e certamente pode agravar ainda mais os impactos ambientais em áreas de restingas e manguezais”.
Procurado, o Instituto Água e Terra (IAT), vinculado à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), disse no dia 29 através da Comunicação Social da Secretaria “os técnicos ainda estão fazendo uma análise do que a questão impactaria no Estado” e que “no momento não muda nada”.
Se há a tranquilidade no IAT de analisar para ver o que vai acontecer, nos meios acadêmicos se fala que a Resolução pode vir a causar danos irreparáveis para áreas nativas no Estado.
Restinga
Nosso litoral tem muita restinga. Em janeiro, o governo havia autorizado a poda de restinga no litoral, mas diante da manifestação de diversos setores, voltou atrás editando um decreto em fevereiro e criando um Grupo de Trabalho para a realização de estudos com alternativas de intervenção na vegetação de restinga “em áreas urbanas consolidadas na orla marítima dos municípios do litoral paranaense”.
A restinga é, segundo a Wikipédia, “um espaço geográfico formado sempre por depósitos arenosos paralelos à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, podendo ter cobertura vegetal em mosaico. Esse tipo de vegetação também pode ser encontrado em praias, cordões arenosos, dunas e depressões em diversos estágios sucessionais existentes fora da restinga na parte interiorana do continente. A restinga também pode se formar nos estuários dos rios, pela deposição de sedimentos, dando origem à formação de rios ou assoreamentos. Podem apresentar vários tipos de fisionomias: herbáceas, arbustivas e arbóreas”.
Esteticamente ela, em nosso litoral, bloqueia em muitos locais a visão do mar. Talvez por isso seja combatida.
Mas ela tem uma importante função. A professora Marques explica que as restingas atuam na “retenção de sedimentos, areia, e protegem contra as ressacas”, ou seja, ajudam, e muito, a preservar o litoral e também o patrimônio de muitos veranistas. Basta lembrar as recorrentes ressacas em Matinhos e seus problemas.
E aqueles que moram em Curitiba e que estão vivendo há algum tempo com restrições no abastecimento de água são testemunhas de que alguma coisa está mudando no mundo e no clima e, por isso, questões ligadas ao meio ambiente devem ser levadas a sério.
Tudo igual
Há 41 anos trabalhando pela sobrevivência do meio ambiente, Clovis Ricardo Schrappe Borges, diretor Executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), estranha o que vem acontecendo no país entre discurso e prática. Para corroborar, Clovis afirma que enquanto a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) diz defender o meio ambiente “tanto a CNA quanto a Confederação Nacional da Indústria votaram a favor do enfraquecimento das áreas de proteção permanente. Então a gente não sabe se eles estão falando sério o que falam, praticando discursos paralelos”.
A ameaça atinge também os manguezais.
Carrano explica que essas regiões “são berçários para inúmeras espécies da fauna, inclusive de algumas que dependem diretamente desses locais em seus ciclos de vida e que também possuem uma importância sócio econômica para as populações tradicionais locais (extrativismo do caranguejo-uçá Ucides cordatus, além de outros crustáceos, ostras e peixes), no Paraná, mais especificamente, os caiçaras”.
Como se percebe, na visão dos ambientalistas, o perigo é iminente.
Clovis fala que a Sedest está alinhada aos novos parâmetros e orientações do governo federal. “A Secretaria é igual ao Salles (referindo-se ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles), não tem diferença nenhuma”.
É verdade que a Secretaria quer destravar e dar agilidade a projetos turísticos, e isso o secretário Nunes não esconde de ninguém porque para ele a legislação, às vezes, trava e impede o crescimento do turismo no Paraná.
Multas
E esse embate – atender aos apelos da iniciativa privada e, muitas vezes, da própria população interessada, e preservar o meio ambiente é um cabo de guerra.
Todos vão se lembrar que a duplicação da estrada Curitiba-São Paulo no trecho da Serra do Cafezal parou por anos por causa da discussão sobre o impacto ambiental da obra que, só foi realizada após o projeto prever quatro túneis e 36 pontes que reduziriam o impacto sobre a Mata Atlântica que recobre a serra.
O progresso já avançou muito sobre o meio ambiente que, agora, mais do que nunca, precisa de apoio no seu processo de preservação. Todos devem ter consciência que a garrafa de plástico jogada pela janela durante a viagem de carro, a latinha deixada no meio-fio, o lixo descartado incorretamente, a bituca de cigarro largada na mata são ações fáceis de serem resolvidas, mas que assistimos o tempo todo.
E no Paraná, não é só o litoral que deve ter nossa atenção.
No dia 30, o IAT noticiou que o Batalhão de Polícia Ambiental-Força Verde (BPAmb-FV) lavrou 26 autos de infração ambiental e aplicou cerca de R$ 2,5 milhões em multas por desmatamento de florestas em todo o Estado. Foram apenas oito dias da Operação Mata Atlântica em Pé que teve apoio do Instituto Água e Terra (IAT), Ibama e Ministério Público do Paraná. A ação encontrou 442,09 hectares (mais de 442 mil m² ou mais de quarenta campos de futebol) desmatados ilegalmente no Paraná. Diz a notícia que a equipe constatou a “destruição de vegetação nativa em áreas de preservação permanente nas regiões rurais de Reserva, Ivaí, Ipiranga, Imbituva, Irati, Faxinal, São João do Triunfo, Ortigueira e Carambeí. O desmate praticado nesses locais foi feito com corte de árvores e uso de fogo para limpar o terreno, consumindo espécies ameaçadas de extinção, como a Canela Sassafrás, Pinheiro Araucária e Imbuia”. A operação foi realizada em dezessete Estados.
No ano passado foram vistoriadas 559 áreas, constatando-se mais de 5,4 mil hectares desmatados sem autorização dos órgãos públicos, o que resultou na aplicação de R$ 25 milhões em multas.
Audiência pública
O diretor da SPVS teme que aconteça aqui o que ocorreu no Equador. “Lá, mangue virgem virou fazenda de camarão para os Estados Unidos”, disse. Clovis tem preocupação com o projeto que o governo quer para o litoral: “São grandes projetos desenvolvidos comercialmente em troca de emprego e renda, mas é possível fazer negócios mais inteligentes que não precisam destruir a natureza”. O governo planeja gastar R$ 513 milhões no litoral em diversas intervenções em dez projetos que, segundo o governo, “vão mudar a cara do litoral” paranaense.
O projeto foi apresentado pelo secretário Nunes em junho de 2019 no Palácio das Araucárias, evento que teve a presença de procuradores e promotores do Ministério Público do Paraná, secretários de Estado, profissionais de órgãos estaduais e federais, universidades e organizações não governamentais. E Nunes destacou que era a primeira vez que técnicos se reúnem para discutir o desenvolvimento sustentável do Litoral. “Com esse encontro, podemos fazer um nivelamento de informações, deixando todas as partes envolvidas a par do que está sendo feito para a região”, explicou.
O Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral (ZEE-PR) teve a colaboração de mais de quarenta servidores, além de vinte instituições, coordenados pelo ITCG (Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná) e com orientação técnica do professor da Universidade de São Paulo (USP), Jurandyr Ross.
No dia 21 de setembro esse projeto teve audiência pública no Sesc Caiobá e o secretário Nunes falou que a proposta do governo do Estado é realizar grandes obras de infraestrutura no litoral para promover desenvolvimento, turismo e a conservação ambiental. “A audiência pública é justamente para consultar a população se é do interesse comum que o governo faça esses investimentos, já que o histórico do litoral do Paraná é de poucas obras de engenharia costeira. Todos podem dar sua opinião e nós trazemos os embasamentos técnicos”, disse.
Antes disso, no início de setembro, no dia 3, foi divulgado o documento “Nota Técnica sobre as Obras de Recuperação da Orla Marítima de Matinhos”, assinado por quinze pesquisadores da UFPR, inclusive pela professora Marcia, que analisa em onze páginas o Projeto IAT-PR 2019 e pede o “cancelamento dos procedimentos de execução da obra e novo rito de licenciamento e viabilidade ambiental, buscando aprimoramento de diagnóstico e de cenários, legalmente embasado e validado pelas instâncias técnicas e consultivas de governança costeira oficialmente implementadas, e dedicado às alternatividades de resolução do problema”.
E a área litorânea é ponto nevrálgico: “72% da população brasileira está distribuída ao longo da Mata Atlântica, em muitos casos nas proximidades do Oceano Atlântico”, diz o professor Carrano, que alerta que a “localização privilegiada próximo ao mar determina maiores níveis de urbanização, sendo que a nova resolução facilitará atividades de supressão e fragmentação impactando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos prestados por restingas e manguezais”.
Restingas que, fala a professora Marcia, “estão bastante reduzidas e as melhor preservadas estão na Ilha do Mel e em porções pequenas de Pontal do Paraná. Temos restingas também nas áreas dos balneários de Matinhos e Guaratuba, ocorrendo como faixa estreita na porção mais alta da linha da maré”. É esse tipo de vegetação, ressalta a professora, que com as “mudanças globais passou a ter um papel chave também na adaptação que deverá ser feita devido à elevação do nível do mar”. Ou seja: corre-se o risco de acabar com a restinga fazer construções ali e estas serem “atacadas” pelo mar. Não é um bom negócio.
Se acontecer essa retirada, Clovis diz que é por razão “estética” para dizer que “em Santa Catarina a restinga protege prédios”.
E construções é que o deve acontecer para o professor Carrano se a flexibilização vingar. “Caso a resolução seja colocada em prática, inúmeras áreas do litoral poderão sofrer um efeito cascata de impactos, justamente pela maior facilidade da substituição de restingas e manguezais por diferentes ocupações humanas, como moradias, marinas, hotéis, portos, estradas entre outros empreendimentos, com consequências graves para a natureza”, vaticina.
Mais pobre
Mas a natureza se renova, não é mesmo? “Sim, se você hipoteticamente tirar a restinga – conta Clovis, da SPVS – ela pode voltar mas não como era antes, geralmente volta mais pobre”.
O que se espera é que as partes conversem e busquem uma solução que possa favorecer o desenvolvimento não só do litoral mas de todas as regiões do Estado que apresentem um potencial turístico (a Paraná Turismo defende a instalação de hotéis em algumas represas).
E o Paraná merece, por suas belezas, ser conhecido não só pelos brasileiros, mas pelos estrangeiros porque aqui temos diversas etnias, que com suas tradições e cordialidade, podem atrair esse público.
Temos a oferecer, também, muitos destinos que aliam natureza, trilhas, cachoeiras, caminhadas que nesses tempos de pandemia são excelentes atrativos para o turismo ao ar livre. Mas isso não significa que precisemos ser picados por mosquitos ou nos perder na mata por falta de sinalização.
Desenvolvimento e turismo podem e devem andar juntos desde que com diálogo e propostas inovadoras os dois lados fiquem satisfeitos.
Enquanto isso, as recentes decisões do Conama deverão ser decididas pela Justiça. Professora Marcia nos dá um alento ao cravar que “precisamos aguardar estes desdobramentos mas, de qualquer maneira, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa ainda salvaguarda esta vegetação e qualquer empreendimento que venha a ser feito neste interim deve respeitar a disposição legal existente”.
Jean Luiz Féder, jornalista da Now Boarding