O homem era gordo e desajeitado. Displicente, talvez, esquecido de si mesmo. Caminhava oscilando, braços largados, a cabeça perdida nas alturas a observar os pássaros, as nuvens, as árvores. Não era nem simpático nem antipático – era ele mesmo. Dava a impressão de solitário, de ser um tanto triste, mas nem assim parecia sofrer. Caminhava, apenas. Todos os dias, regularmente, exceto nos dias de chuva. No mais, fizesse frio ou calor, houvesse vento ou nuvens no céu, lá estava ele caminhando.

Como acontece entre caminhantes, os que passavam por ele, além de notarem seu porte deselegante, flagravam um ar de simpatia em seu rosto. E, como é praxe entre os que caminham, todos se cumprimentavam, distribuíam bons dias com uma oscilação de cabeça, não raro com um gesto de mão.

Assim se relacionam os caminhantes. Ninguém sabe quem é o outro, qual o seu nome, o que faz de sua vida. Mas todos sabem que caminham. Isso cria uma simpatia entre eles. Uns se cumprimentam de modo mais caloroso, outros apenas resmungam seu bom dia e seguem em frente. Estão no mesmo barco, é como se sentem. O fato é que sabem uns dos outros. Se aparece um novato no pedaço, logo percebem. É quando lhe ensinam, com alguma insistência, que o ato de dar bom dia é essencial à convivência naquele caminho. Os que entendem o espírito da coisa logo percebem como agir. Quem não entende, não tem conserto e logo abandonará o caminho, andando por outras plagas ou permanecendo jogado num sofá. Falta-lhe o espírito do caminhante. Nada a fazer.

Mas como não notar aquele homem que, gordo e desajeitado, oscilava ao caminhar e tinha um ar simpático no rosto moreno? Todos sabiam dele e foi por isso que o alarme soou quando ele sumiu por alguns dias.

De início houve apenas um espanto, mas, passada uma semana, os caminhantes começaram a se reunir, mesmo que se conhecessem apenas de bons dias, para saber o que se passara com o simpático homem gordo.

– Será que aconteceu algo com ele?

– Ando nessa trilha há três anos e ele não faltou um só dia.

– Algo aconteceu. Será que tinha alguma doença?

Um lembrou:

– Ele tossia. Não muito, mas tossia. Ouvi uma vez.

– Será que fumava?

– Pode ser.

– Pois é. Sendo fumante, com aquela gordura, já sessentão… Pode ser que…

Ficaram quietos de repente e se despediram com o compromisso de avisar caso soubessem de alguma novidade do talvez triste homem gordo. Passou-se outra semana e nada do homem aparecer.

– O que vamos fazer? Alguém sabe quem era, onde morava?

Ninguém sabia. Nem como se chamava. Partiram a investigar. Um dia alguém o vira entrando num bar, foram até lá. Explicaram: um homem gordo, balançava de lado, cara simpática. Era triste, acrescentou alguém. O dono do bar deu uma dica:

– Só se for o seu… seu… não sei o nome dele. Mora na próxima rua, a segunda casa à direita. Um dia passei por lá e ele estava na janela.

Foram em grupo ao endereço. Quando viraram a esquina, lá estava o homem gordo regando umas plantinhas junto ao muro da casa. Desajeitado como sempre, ele oscilava e espalhava água sobre as plantas e sobre o muro.

Eles se aproximaram e o homem gordo levou um susto ao reconhecê-los.

– Bom dia! – disseram eles, quase em uníssono.

Baixou um constrangimento. Dizer o quê? Perguntar se havia morrido? Se fora parar num hospital? Tivera um AVC? Ninguém se decidia.

Até que um deles, um baixinho, se aventurou:

– Você não tem aparecido. Ficamos preocupados. Algum problema?

O homem largou o regador em cima do muro e fez um gesto pedindo que todos se aproximassem. E confidenciou, em voz baixa:

– Arrumei uma namorada.

Seu rosto brilhou e todos suspiraram aliviados. Foi quando surgiu na porta da casa uma sorridente jovem senhora de cabelos grisalhos, magra e pequenina, que fez um sinal enigmático que, segundo o gordo, significava que o café estava pronto.

Daquele dia em diante a turma dos caminhantes proibiu especulações pessimistas caso alguém sumisse do caminho. Quem sabe o sujeito fora à praia, disse um. Ou a Paris, disse outro. Ganhou na Loto, emendou um terceiro. Enfim, destinos prazerosos. Afinal, eram caminhantes e a fila precisava andar.

Sem sobressaltos.

Roberto Gomes, escritor

www.gomesroberto.blogspot.com

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Publicado no Aeroporto Jornal – setembro/2016

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