Como assim, o aeroporto sumiu? Como pode um aeroporto inteiro sumir?
Isso só acontece em filme de ficção, não é mesmo?
Bem, na verdade, o aeroporto nunca sumiu. O que aconteceu (e volta e meia acontece) é que o piloto pousou o avião num local no qual ele acreditava ser o aeroporto!
Ao redor de mundo existem milhares de pistas de pouso particulares ou militares, destinadas à aviação executiva ou militar localizadas próximas a aeroportos médios e grandes que atendem voos regulares de linhas aéreas.
No Brasil temos, por exemplo, a Base Aérea de Canoas, que fica a poucos quilômetros do aeroporto Internacional de Porto Alegre, em Belém temos o Aeroporto Brigadeiro Protássio de Oliveira, que fica também a poucos quilômetros do Aeroporto Internacional de Belém e em Curitiba tem o Aeroporto do Bacacheri que fica próximo ao Aeroporto Internacional Afonso Pena, e assim por diante.
Esse evento é muito raro de ocorrer na aviação comercial, diga-se de passagem, pois a navegação dos voos é feita com o auxílio do GPS, que confere uma precisão de poucos metros.
Se quiser, faça um teste você mesmo: ative a função Rotas do GoogleMaps do seu celular e crie uma rota para ser percorrida a pé. Depois, inicie a caminhada e veja que a sua localização se movimenta à medida que você caminha, numa precisão de poucos metros!
Além do tradicional auxílio do GPS a bordo de qualquer avião, desde os pequenos monomotores até os grandes jatos, também existe o recurso do famoso ILS (Instrument Landing System), assunto que será explorado na próxima coluna, no qual um avião pode pousar sem visibilidade alguma!
Eu mesmo já tive a cômica experiência de pousar numa pista particular pensando que estava pousando na pista de um aeroporto.
Foi em 1998, na Flórida, quando fazia meu curso de Piloto Comercial. Durante esse curso, o aluno-piloto é obrigado a fazer um número mínimo de horas de voo solo (sem instrutor a bordo) de navegação, ou seja: ir de uma cidade a outra, pousar, decolar e retornar ao ponto de partida.
Num desses voos de navegação, decolei de Fort Lauderdale rumo ao meu destino. Ao meu aproximar do aeroporto de destino, chamei a torre pelo rádio, informei que estava próximo e pedi autorização para o pouso. A torre respondeu “livre pouso”. Pois bem, vi a pista à minha esquerda e não tive dúvidas: pousei! Depois de alguns minutos de silêncio, a “torre” me chamou perguntando onde eu estava! Respondi que já tinha pousado e que estava no solo! Parecia conversa de bêbado…
Para minha surpresa e do controlador da torre do aeroporto, eu me dei conta que tinha pousado numa pista de pouso próxima do aeroporto de destino. Você deve estar se perguntando: mas e o tal do GPS, com precisão de poucos metros? Pois bem, esses voos de navegação eram (e são feitos) com referências visuais com o solo, sem nenhum tipo de instrumento a não ser a boa e velha bússola.
Antes que você pense que isso só acontece com avião pequeno e aluno-piloto, deixe-me contar um evento que ocorreu aqui no Brasil, envolvendo um avião de linha aérea.
Numa manhã do dia 30 de outubro de 2011 um avião comercial decolou de Fortaleza rumo à Teresina, cumprindo mais um voo regular desse trecho. Tanto o voo quanto o pouso transcorreram normalmente, a não ser pelo fato de que o piloto pousou o avião no aeroporto particular de Timon, cidade vizinha de Teresina (foto abaixo da localização das duas pistas de pouso)
Numa situação muito parecida com a minha, o piloto recebeu autorização para pouso mas pousou numa pista próxima do aeroporto de Teresina. Após perceber o erro, o piloto decolou e minutos depois pousou, finalmente, em Teresina.
Mas, novamente, você deve estar se perguntando: como isso pode acontecer, com toda a tecnologia de navegação a bordo de um avião comercial moderno? Pois bem, nem sempre um pouso é feito com o auxílio de instrumentos.
Neste evento em particular, a torre pediu para o piloto prolongar um pouco a aproximação para dar passagem a outra aeronave. A partir desse momento, o piloto abandonou a aproximação por instrumento e passou a fazer uma aproximação visual. O avião se afastou um pouco do curso de aproximação final para pouso, alinhando-se, inadvertidamente, com a pista errada, a qual fica muito próxima do aeroporto de Teresina. Com a autorização de pouso dada pela torre de Teresina e com a pista à frente, o piloto, orientado apenas pelo voo visual, não teve dúvidas em prosseguir para o pouso.
Eventos assim também já aconteceram em aproximações para pouso em Belém, Porto Alegre e Vitória. Hoje em dia eles são muito mais raros de acontecer, em virtude da automação das aeronaves e do auxílio radar para o controle de tráfego aéreo.
Então, pode relaxar e curtir seu voo!
Sady Bordin tem 58 anos e trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo e atualmente é instrutor de solo e de simulador de voo na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br
Foto: Rande Knapmiller/Pixabay