Pense no continente europeu. Aposto que lhe vêm à cabeça o Big Ben, a Torre Eiffel e o Coliseu. Ok, o trio Londres-Paris-Roma é obrigatório, mas está na hora de tratarmos com mais carinho os países do Leste. A região, que já sofreu com regimes totalitários, o Holocausto e guerras recentes, merece. E ninguém melhor para lhe mostrar lugares bonitos e baratos, cheios de história para contar, do que guias locais. Esse é o espírito do Couch Surfing, uma ideia que tem mais a ver com solidariedade intercontinental do que com ter um lugar de graça para dormir.
Mais de três milhões de pessoas estão no Couch Surfing, organização fundada em San Francisco (Estados Unidos), em 2003. A proposta é fazer amigos de todas as partes do mundo oferecendo um lugar para dormir (não necessariamente um
sofá) a qualquer viajante que queira se hospedar na sua casa. Às mães superprotetoras de plantão, um alento: todos os couch surfers possuem um perfil no site, com informações pessoais e sobre o sofá oferecido, para que seu filho se certifique de que ninguém roubará seu rim. Entretanto, o site não se responsabiliza por uma eventual experiência má sucedida, o que, convenhamos, é raro acontecer.
No Brasil, existem 103.922 couch surfers. Em Curitiba, 4.250 pessoas possuem perfil no site. Para se inscrever, não é necessário convite ou nada parecido – nem mesmo taxa de adesão. Apenas fique atento à informação “último login” porque, se o seu anfitrião em potencial não verifica o perfil há três meses, é recomendável que você procure por outros sofás.
O fato é que os europeus do Leste realmente gostam de estrangeiros e fazem de tudo para que eles (nós) se sintam em casa. E conseguem. Em Zagreb, a simpática capital da Croácia, fiquei hospedado na casa de um jovem casal, mais simpático ainda. Maja fez questão de passar no mercado para encher a geladeira porque eu poderia ter fome quando chegasse à cidade. Gagy me deu todo e qualquer mapa da cidade para que eu pudesse curtir melhor meus dias por lá. Tem como não amar?
E que bela cidade. A maioria dos turistas utiliza Zagreb apenas como um trampolim para o Parque Nacional de Plitvice (sensacional) ou para o Litoral croata (idem). Uma pena. Eles perdem uma cidade agradável e organizada, cheia de praças e calçadões – a impressão de estar numa “Curitiba do Leste” é grande.
A porção mais interessante da capital croata é a Cidade Alta, onde está o telhado mais curioso da Europa. No lugar de telhas comuns, a Igreja de São Marcos possui um mosaico colorido de causar inveja à mesinha de canto de sua tia. Logo à frente, chega-se ao terraço da Upper Town, o lugar perfeito para se curtir uma noite de sexta-feira. Jovens desfilam pra lá e pra cá com seus copões de cerveja comprados pelo equivalente a € 2,00 e ficam ali batendo papo com vista para a cidade nova, inteira iluminada.
Ponte de Pedra
A Kamenita vrata (Ponte de Pedra) é a única “ponte” – o Rio Sava passa bem longe de lá – ainda em pé das que ligavam as Cidades Baixa e Alta durante a Idade Média, em Zagreb. Sua importância, porém, é mais espiritual
do que arquitetônica. Acredita-se que a pintura de Nossa Senhora com o bebê Jesus, que calmamente repousa no canto da esquina, foi o único objeto sobrevivente ao grande incêndio de 1731. Agora os locais penduram placas de hvala (obrigado) pelas graças alcançadas por intermédio da mãe de Deus. Mesmo que você não seja religioso, vale a pena dar uma passada por lá – até porque esse é o caminho natural para a Cidade Alta. O curioso é que a capela fica na rua mesmo, órgão e bancos na calçada, velas e plaquinhas de agradecimento nos muros.
O povo de lá adora beber. A República Tcheca, por exemplo, está na segunda colocação na lista de países que mais ingerem álcool no mundo, com 16,4 litros anuais per capita (atrás apenas da vizinha Moldávia). Cheguei a Praga numa noite fria e chuvosa de terça-feira. Aonde meu host Michael me levou direto da rodoviária? Para o bar. Resultado, tivemos que sair correndo, debaixo de chuva, para pegar o último trem da noite rumo a Podebrady – a 70 km da capital tcheca e onde eu efetivamente estava hospedado.
Notívagos sim, arrogantes não. Imagine que Praga, sexta cidade mais visitada na Europa, não possui muitas vagas no alto verão seja em hotéis, hostels ou sofás. Restou-me recorrer ao morador das proximidades, amigo de Maja e Gagy. Enviei-lhe o pedido de sofá (couch request) na manhã daquele dia chuvoso e ele, mesmo já tendo saído para o trabalho e não voltando mais para casa até a noite, aceitou. Afinal, somos todos irmãos viajantes, certo?
4,8 milhões de irmãos viajantes invadem a capital tcheca a cada ano, o que explica o movimento em grandes atrações turísticas como a cinematográfica Ponte Carlos IV, o imponente Bairro do Castelo e a agradável Praça da Cidade Velha. Mas nada que assuste. E se você procura um programa mais alternativo, vá às redondezas do Rio Moldava nos dias de verão. Vira e mexe um palco é montado sobre as águas e as margens viram arquibancada para animados shows, audíveis até do alto da réplica da Torre Eiffel (sim, há uma no alto do Monte Petřín).
Relógios astronômico
Orloj é um relógio de 602 anos que vive na parede Sul da Prefeitura Municipal da Cidade Velha, em Praga. A cada hora, pequenos bonecos saem dele na chamada “caminhada dos apóstolos”. Talvez em 1410 não fosse assim, mas hoje em dia a praça lota para acompanhar a apresentação. Para completar o showzinho, tocadores de trombeta, devidamente caracterizados, sobem no alto da torre e completam a atmosfera. Vale a pena tirar várias fotos do relógio para depois entrar no Google e procurar o que cada ponteiro significa. A propósito, Orloj possui um mostrador astronômico que indica as posições do Sol e da Lua no céu e outros detalhes celestes e um mostrador-calendário, com medalhões que representam os meses do zodíaco. Quem conseguir identificar tudo isso ganha um doce.
Cracóvia possui a mesma atmosfera cultura. A Głowny, maior praça medieval da Europa, é o coração da cidade – que por sua vez é a alma da Polônia. Não por acaso o amplo espaço aberto no meio do centro histórico recebe diversos festivais durante o ano todo. Sentar num café voltado para a praça apreciando a música não tem preço. Aliás, tem. 7,5 złoty (€ 1,80) por um sanduíche que vale por refeição.
Minas de sal
A maior atração de Cracóvia na realidade fica no município vizinho de Wieliczka, aonde se chega de ônibus de linha, sem estresse (só cuidado para não perder o ponto). A mina em si é sensacional, não é por menos que foi incluída como Patrimônio da Humanidade pela Unesco logo na primeira versão da lista, de 1978. Se uma catedral inteira esculpida no sal embaixo da terra (com direito à réplica d’A Última Ceia, de Da Vinci) não é o suficiente para te impressionar, eis alguns números: 327 metros de escada (cada andar de um prédio: 2,5m; ou seja, 130 andares) levam os 1,1 milhão de visitantes aos 300 km de túneis, de onde o sal foi extraído desde o século 13 até 2007. Impressionante, hein.
Menos festivo e a apenas 60 km dali está o mais significativo e deprimente local do país: o campo de concentração de Oświecim (transformado em Auschwitz pelos alemães). Se você adora História, vá. Se não quer sofrer, mantenha distância. O tour liderado por guias bem informados passa por dormitórios, paredões de fuzilamento e por uma câmara de gás conservada. Emocionar-se não é opção.
Mas isso é passado. Os horrores das guerras e dos regimes totalitários que os países do Leste Europeu sofreram se limitam aos museus e monumentos. No dia a dia, ao menos dos jovens couchsurfers, o sentimento que aflora no momento é a solidariedade com os estrangeiros. As polonesas Ola e sua colega de quarto Sonia, ao receberem meu couch request para Cracóvia, não hesitaram em disponibilizar o colchão da casa para me receber, já que as camas propriamente ditas já estavam tomadas por outros outros hóspedes. Mesmo sem querer, acabei deixando uma camiseta minha como agradecimento pela hospitalidade.
E, afinal, não há razões para remoer o passado se há viajantes do mundo inteiro dispostos a conhecer o presente da região. Seja um deles. E quem sabe, daqui a um tempo, quando alguém mencionar o continente europeu, lhe venham à cabeça o Relógio Astronômico de Praga, o telhado da Igreja de São Marcos em Zagreb ou a Praça Głowny de Cracóvia.
Bruno Calzavara, jornalista, com fotos
Na foto da capa, a praça central de Zagreb, Trg Ban Jelacic, é o coração da Cidade Baixa.
Publicado no Aeroporto Jornal – junho/2012
Finding countries on board a sofa
Bruno Calzavara, text and photos
Think of taming Europe. Now think about doing this with new friends without spending a dime on lodging. This is the spirit of Couch Surfing, an idea that has more to do with intercontinental solidarity than having a free place to sleep. More than three million people are on Couch Surfing, an organization founded in San Francisco (United States) in 2003. The proposal is to make friends from all over the world offering a place to sleep (not necessarily a couch) to any traveler wanting to stay in your home. To overprotective mothers on duty, an inspiration: all couch surfers have a profile on the site with personal information about the offered couch, so your child is sure that nobody will steal a kidney. However, the site is not responsible for any bad experience – which, let’s face it, is very rare.
In Brazil there are 103,922 couch surfers. In Curitiba, 4250 people have user profiles. To register, you don’t need invitation or anything like that – not even membership fee. Just pay attention to information “last login” because if your host does not check the potential profile for three months, we recommend that you look for other sofas.
And so, from sofa to sofa I met the Eastern Europe. What surprised me most was the fact that the natives really like foreigners and do everything so they (we) feel at home. And they do. In Zagreb, the friendly capital of Croatia, I stayed with a young couple, even more sympathetic. Maja was keen to go to the market to fill the refrigerator because I might get hungry when I came to town. Gagy gave me any city map so I could better enjoy my days there. How couldn’t I love? In Prague, I arrived on a cold rainy night on Tuesday. Where did my host Michael take me from the bus station? For the bar. Yes, people there love to drink. Result: we had to rush out in the rain, to take the last
train of the night towards Podebrady – 70 km from the Czech capital – where I actually was staying.
Nighthawks, not arrogant. Imagine that Prague, the sixth most visited city in Europe doesn’t have many vacancies in high season in hotels, hostels or couches. All I could do was to call on the nearby resident, friend of Maja and Gagy. I sent him the application couch (couch request) of that rainy morning and even having already left for work and not coming home until night, he accepted. After all, we are all brothers travelers, right? Yet the Polish Ola and her roommate Sonia didn’t hesitate to provide their home mattress in Krakow to receive me, as the beds themselves were already taken by other guests. Without intending to, I ended up leaving my shirt in gratitude for their hospitality. For all the hospitality, friendliness and willingness to help the Eastern Europeans gave me on this trip, the shirt ended up being so little.
Encontrar países a bordo de un sofá
Bruno Calzavara, texto y fotos
Piense en domesticar Europa. Ahora piense en hacer esto con nuevos amigos sin gastar un centavo en alojamiento. Este es el espíritu de Couch Surfing, una idea que tiene más que ver con la solidaridad intercontinental que con tener un lugar libre para dormir. Más de tres millones de personas están en Couch Surfing, organización fundada en San Francisco (Estados Unidos) en 2003. La propuesta es hacer amigos de todo el mundo ofreciendo un lugar para dormir (no necesariamente un sofá) a cualquier viajero que desee quédate en tu casa. Para las madres sobreprotectoras de turno, una inspiración: todos los que practican surf de sofá tienen un perfil en el sitio con información personal sobre el sofá ofrecido, por lo que su hijo está seguro de que nadie le robará un riñón. Sin embargo, el sitio no es responsable de ninguna mala experiencia, que, seamos sinceros, es muy poco común.
En Brasil hay 103,922 surfistas de sofá. En Curitiba, 4250 personas tienen perfiles de usuario. Para registrarse, no necesita invitación ni nada de eso, ni siquiera la tarifa de membresía. Solo preste atención a la información “último inicio de sesión” porque si su anfitrión no revisa el perfil potencial durante tres meses, le recomendamos que busque otros sofás y así, de sofá en sofá conocí la Europa del Este. Lo que más me sorprendió fue el hecho de que a los nativos les gustan mucho los extranjeros y hacen todo para que ellos (nosotros) se sientan como en casa. Y lo hacen. En Zagreb, la amigable capital de Croacia, me quedé con una pareja joven, aún más comprensiva. Maja estaba ansiosa por ir al mercado a llenar el refrigerador porque podría tener hambre cuando llegara a la ciudad. Gagy me dio cualquier mapa de la ciudad para que pudiera disfrutar mejor de mis días allí. ¿Cómo no podría amar? En Praga, llegué el martes en una noche fría y lluviosa. ¿A dónde me llevó mi anfitrión Michael desde la estación de autobuses? Para el bar. Sí, a la gente le encanta beber. Resultado: tuvimos que salir corriendo bajo la lluvia, para tomar el último
tren de la noche hacia Podebrady – a 70 km de la capital checa – donde en realidad me estaba quedando.
Nighthawks, no arrogantes. Imagínese que Praga, la sexta ciudad más visitada de Europa, no tiene muchas vacantes en temporada alta en hoteles, hostales o sofás. Todo lo que pude hacer fue llamar al residente cercano, amigo de Maja y Gagy. Le envié el sofá de aplicaciones (solicitud de sofá) de esa mañana lluviosa e incluso habiéndome ido ya al trabajo y no volviendo a casa hasta la noche, aceptó. Después de todo, todos somos hermanos viajeros, ¿verdad? Sin embargo, la polaca Ola y su compañera de cuarto Sonia no dudaron en proporcionarme el colchón de su casa en Cracovia para recibirme, ya que las camas ya estaban ocupadas por otros huéspedes. Sin pretenderlo, terminé dejándome la camisa en agradecimiento por su hospitalidad. A pesar de toda la hospitalidad, amabilidad y ganas de ayudar a los europeos del Este que me brindaron en este viaje, la camiseta terminó siendo tan pequeña.