Num primeiro momento a resposta à pergunta “quem pilota do avião?” pode parecer meio que óbvia. Mas, se nos aprofundarmos por alguns instantes antes de responder, vamos perceber que não é tão simples assim.

De maneira geral, na aviação moderna, quem pilota os aviões são os famosos pilotos automáticos. Esses “pilotos” não tiram férias, não ficam cansados, não reclamam do salário e, o que é o melhor de tudo: não cometem erros. Os pilotos de hoje, na verdade, pilotam o piloto automático, que, por sua vez, é quem pilota o avião!

Um pouco confuso, não?

Então, vamos tentar explicar.

No começo da aviação comercial, na remota década de 1920, os voos eram curtos. O primeiro voo comercial da história foi realizado em 1° de janeiro de 1914 ligando St. Petersburg a Tampa, ambas cidades na Flórida. Durou apenas 23 minutos e percorreu meros 34 km. E não havia qualquer tipo de automatismo nas aeronaves e pouquíssimos instrumentos.

Naqueles tempos os voos eram feitos apenas de dia e longe das nuvens, pois não havia ainda sistemas de navegação eletrônicos. O piloto se orientava pelas estradas, trilhos de trem, rios, praias e, claro, a velha e boa bússola.

Logo surgiu a figura do navegador, que era o responsável por controlar a navegação do voo. Essa função, assim como o operador de rádio, foi, ao longo dos anos, sendo substituída por instrumentos de navegação, com o avanço da eletrônica a bordo das aeronaves.

Mas, voltando ao piloto automático.

À medida que os voos foram ficando mais longos, os pilotos começaram a apresentar fadiga. Imagine você, ficar horas e horas segurando o manche do avião. Muito cansativo e pouco seguro.

Para aumentar a segurança dos voos e diminuir a fadiga dos pilotos, a Sperry Corporation, uma empresa norte-americana fundada em 1910, desenvolveu, em 1912, o que veio a ser o precursor do piloto automático.

Com o advento do piloto automático, os pilotos não precisavam mais ficar segurando o manche para realizarem os voos.

Com o avião sendo pilotado pelo piloto automático, eles podiam dedicar maior atenção à navegação (bússola, instrumentos, rios, estradas, praias, mapas etc), autonomia do voo e ao monitoramento dos parâmetros do motor (temperatura, pressão do óleo, rotação etc), aumentando bastante a segurança do voo e permitindo voos cada vez mais longos. A título de curiosidade, atualmente o voo mais longo do mundo dura incríveis 17 horas e 50 minutos. Operado pela Singapore Airlines, liga Nova Iorque a Singapura, com um A350.

O segundo grande avanço no automatismo dos voos deu-se em 1982 com o surgimento do FMS (Flight Managemente System), desenvolvido pela também norte-americana Honeywell (uma das empresas, por sinal, que ficaram com uma parte da Sperry Corporation, quando essa deixou de existir em 1986).

Através do FMS, os pilotos programam toda a rota do voo, antes da decolagem. O FMS, além de traçar toda a rota que o avião irá percorrer, também fornece informações para o piloto automático, de maneira que ele possa voar com precisão a rota programada. Além de fazer a navegação do voo, o FMS também calcula o consumo provável de combustível para a viagem (essa previsão pode variar em função do vento encontrado na rota, que pode ser um pouco diferente do que foi previsto) e o tempo de voo. Sabe aquela famosa previsão do tempo de voo que o comandante anuncia aos passageiros antes de iniciar a viagem? Pois bem, ele a está lendo diretamente do FMS do avião.

Na foto abaixo vemos a página 3 de um plano de voo ativo (ACTIVE FLT PLAN), mostrada na tela do MCDU (Multipurpose Control Display Unit).

Podemos observar as posições pelas quais o avião irá passar (as letras do lado esquerdo), a distância entre elas, a velocidade (.80M) e o nível de cruzeiro (FL 370), dentre outras informações. Repare que este avião irá passar sobre na vertical (bem em cima) do Aeroporto Internacional John F. Kennedy (JFK) logo após a posição LAURN.

Neste outra foto, observamos a programação de um voo logo após a decolagem da pista 24 (RW24) do Aeroporto de Shannon (EINN), Irlanda.

Logo após a decolagem, o avião irá manter o rumo 238 graus e fará uma curva à direita na posição BEVES, que está a uma distância de 4,9 milhas do aeroporto e voará na direção de DISUR, que está a 4,4 milhas de BEVES.

Na posição ERABI, o avião voará a uma velocidade de 300 knots (555 km/h) e a uma altitude de 21.900 pés (FL219).  Lembrando que toda esta navegação será executada pelo piloto automático.

Cabe aos pilotos a tarefa de monitorar se o voo está ocorrendo exatamente conforme o programado pelo FMS, além da comunicação com os órgãos de controle de tráfego aéreo.

Toda a rota criada no FMS é mostrada, também, no painel que fica à frente dos pilotos, conforme imagem abaixo.

Neste caso, o avião em questão está voando em direção à posição CEDOX, 16,8 milhas à frente, com uma velocidade de 553 km/h (GS de 299 knots). A previsão indica que o avião estará sobre esta posição às 13:10 horas.

Como se pode ler no topo do instrumento, este avião irá executar um procedimento ILS para a pista 36 da esquerda (36L) do Aeroporto Internacional de Charlote (KCLT), nos EUA.

Muito legal, não?

Mas e se o piloto automático deixar de funcionar?

Isso é muito raro de acontecer. Em meus doze anos de aviação comercial nunca tive uma pane de piloto automático. Mas, se acontecer, nenhum problema. Um dos pilotos (todos os voos comerciais são feitos com dois pilotos na cabine) assumirá os controles do avião e prosseguirá, manualmente, o voo. Vale ressaltar que este procedimento (voo manual) é treinado exaustivamente em simulador, inclusive com a falha de um dos motores. Ou seja: os pilotos devem ter condições de pilotar, com total segurança, um avião sem piloto automático e sem um dos motores.

Então pode relaxar e curtir seu voo.

Sady Bordin tem 58 anos e trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo e atualmente é instrutor de solo e de simulador de voo na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br

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