Em setembro passado estive na Espanha na cidade de Jerez de la Frontera. Tinha curiosidade de degustar os vinhos Jerez. Na cidade havia muitas opções de visita, mas optei para fazer uma degustação na La Vermuteria Del Sherry, onde poderia experimentar vinhos de diversas Bodegas.
Primeiro tive que receber informações sobre a classificação destes vinhos: Fino, Medium, Amontillado, Palo Cortado, Oloroso…
O vinho Jerez é uma bebida fortificada e que passa por um processo de vinificação complexo e diferenciado, que pode durar décadas.
Conforme mencionei, o Jerez é um vinho fortificado. Isso significa que, durante o processo de fermentação, é adicionado um outro tipo de álcool, aumentando sua graduação alcoólica e afetando diretamente o resultado da bebida.
A quantidade de álcool acrescentada influencia diretamente no tipo de estágio que o vinho terá, que poderá ser biológico ou oxidativo.
O envelhecimento biológico ocorre quando a adição de álcool não ultrapassa 15%. Como resultado, as leveduras se concentram na superfície, formando uma camada conhecida como flor, e impedem que o oxigênio entre em contato com o vinho, deixando-o mais claro e seco.
Já quando são acrescentados cerca de 18% de álcool, a flor não se desenvolve, e o líquido fica em contato direto com o ar. O resultado é uma bebida mais adocicada e escura, já que passa por um processo de oxidação.
Foi na região de Cádiz, no Sudoeste espanhol, por volta do ano 1100 a.C., que os fenícios introduziram as uvas viníferas e seus métodos de vinificação.
A emancipação da bebida ocorreu apenas no século XII, quando os mouros (que dominavam a região à época) começaram a exportar os vinhos para o Reino Unido, já sob o nome de Šeriš/Sherish. O produto se tornou um artigo valioso para os ingleses por suas características únicas.
No século XVI, com as grandes navegações, as vendas do vinho (agora batizado de Sherry) pela Europa foram ainda mais intensificadas. O famoso escritor e dramaturgo britânico William Shakespeare chegou a referenciar a bebida como sua favorita.
Em 1933 houve a criação da D.O. Jerez-Xérès-Sherry, primeira denominação de origem da Espanha.
Um dos grandes segredos dos vinhos Jerez é seu terroir. A bebida é produzida em uma região triangular de três cidades: Jerez de la Frontera, El Puerto de Santa María e Sanlúcar de Barrameda.
Para a elaboração do Jerez, podem ser utilizados três tipos de cepas: Moscatel, Pedro Ximenez e Palomino. Todas são brancas e usadas em diferentes quantidades para cada tipo do vinho.
Tipos de Jerez
Os vinhos Jerez são divididos entre diversos tipos e subtipos e cada um tem características muito distintas. A seguir, relaciono todas as variações, juntamente com uma breve definição e a harmonização ideal.
Fino
Trata-se de um vinho feito da uva Palomino que passa por estágio biológico, ou seja, debaixo de uma camada de flor. Geralmente é envelhecido entre 4 a 7 anos e apresenta notas de leveduras e minerais, além de um paladar seco e levemente salgado.
Acompanha bem petiscos como azeitonas, amêndoas, peixes e frutos do mar fritos, presunto cru e queijos suaves.
Manzanilla
O processo de vinificação do Manzanilla é igual ao do Fino, porém ele deve ser produzido em Sanlúcar de Barrameda. Como o local é mais próximo do mar e mais úmido, a camada de flor sobre o líquido acaba sendo mais grossa, o que deixa o vinho mais claro, salino e lêvedo.
Para esse vinho Jerez, a harmonização recomendada é a mesma do anterior. Além disso, o Manzanilla combina com sushis.
Amontillado
O Amontillado é um derivado dos vinhos anteriores. Ou seja, após os anos de passagem em barrica por estágio biológico, esse Jerez é envelhecido de forma oxidativa, em contato direto com o oxigênio.
Isso proporciona um sabor menos fresco e lêvedo, e gera um vinho mais estruturado, com aromas de castanhas, tabaco, ervas e carvalho. É excelente para degustar carnes brancas, chorizo, consommé, patês e queijos de intensidade média.
O Jerez Amontillado passa por envelhecimento oxidativo.
Palo Cortado
A definição do Palo Cortado é um pouco ambígua, basicamente é um vinho que começou seu processo de vinificação destinado a ser um Fino, porém, no meio do processo, são empregadas as técnicas de um Oloroso.
Costuma ser definido da seguinte forma: tem aromas similares ao Amontillado e sabor similar ao Oloroso. Ideal para acompanhar carnes curadas, foie gras, castanhas e queijos azuis.
Oloroso
Esse vinho Jerez passa por estágio inteiramente oxidativo, sem a presença de flor. Por essa razão, é uma bebida mais estruturada e alcoólica, podendo chegar a 24% de graduação.
Entre seus aromas, é possível perceber nozes, balsâmico, frutas secas e tabaco. Os mais envelhecidos também podem apresentar notas de especiarias, trufas e couro.
Sirva-o com queijos bem curados e envelhecidos, e carnes vermelhas ou de caça.
Pedro Ximenez
Feito com as uvas de mesmo nome, os frutos utilizados são colhidos tardiamente. Por essa razão, perdem boa parte de sua umidade e concentram ainda mais o açúcar. Por isso, são vinhos mais doces e com alto teor alcoólico.
O Pedro Ximenez tem uma coloração ébano, acidez bem presente e aromas adocicados, como de figos cristalizados, de chocolate, café e especiarias. Os exemplares mais envelhecidos trazem aromas de ervas, fumaça e melaço.
Para acompanhar chocolates, sobremesas e queijos mais pungentes, sirva uma taça de Pedro Ximenes.
Uma dica é resfriá-lo por volta dos 10 graus para que fique mais suave.
Moscatel
Os vinhos Jerez que vêm rotulados dessa maneira são produzidos da mesma forma do Pedro Ximenez (mediante colheita tardia), porém com as uvas Moscatel. Nessa versão, trazem aromas florais e frutados, e sabores de mel e passas.
É ideal para acompanhar sorvetes e sobremesas à base de massas ou frutas.
Jerez doce
Por fim, os Jerez mais doces e cremosos são produzidos por meio de um blend entre os tipos mais secos e os mais doces. Além disso, pode ser acrescentado xarope, um tipo de xarope de vinho ou mosto de uvas retificadas. Confira cada um dos tipos:
- Pale Cream: blend entre um vinho com estágio biológico (Fino ou Manzanilla) e uvas retificadas. Contém entre 45 e 115 gramas de açúcar;
- Medium Cream: é feito com base no Amontillado e contém entre 5 e 115 gramas de açúcar;
- Cream: geralmente é feito com base nos vinhos Oloroso e Amontillado, misturado a um Moscatel ou Oloroso;
- Dulce: trata-se de um Oloroso que tem a fermentação pausada e, por isso, apresenta uma grande quantidade de açúcar residual, semelhante ao Vinho do Porto.
Como são vinhos mais doces, a primeira opção é servi-los com sobremesas, como saladas de frutas e torta de maçã. Outra sugestão é para acompanhar queijos bem curados, patês e foie gras.
Jerez Tio Pepe
Este vinho Fino é elaborado com uvas Palomino pela Bodega González Byass.
Apresenta cor amarelo pálido. O teor alcoólico é de 15%.
O aroma é de peras, amêndoas e pão.
Em boca é extremamente seco, com retrogosto prolongado que lembra amêndoas.
Harmoniza com aperitivos, aves, sopas, presuntos, queijos suaves e frutos do mar.
Jerez Regente
Este tipo Palo Cortado é elaborado pela Bodega Sánchez Romate.
Apresenta cor de cobre quase mogno. O teor alcoólico é de 20%.
O aroma é de frutas secas, avelas, amêndoas e nozes, com toques de caramelo e baunilha.
Em boca é seco, com sabor de amêndoas e nozes, com boa estrutura e final prolongado.
Harmoniza com queijos curados, carnes vermelhas como rabo de toro e carrilada.
Jerez Río Viejo
Vinho é elaborado pela Bodega Lustau (foto que abre a matéria), 100% com uvas Palomino, com classificação Oloroso.
O Río Viejo apresenta cor âmbar brilhante. O teor alcoólico é de 20%.
O aroma é de mel, castanha e frutas secas.
Em boca é muito seco, potente, com sabor de castanha e frutas secas.
Harmoniza com carne de vaca, carne de caça (cervo e veado), queijos maduros, cogumelos e carne curada;
Este vinho me agradou!
Jerez El Candado
Este é um vinho de sobremesa delicioso elaborado pela Bodega Valdespino, com uvas Pedro Ximénez.
Tem cor âmbar, quase mogno. O teor alcoólico é de 18%.
O aroma é de frutas passas como figo, canela, cravo, mel e caramelo.
Em boca é encorpado, dulçor intenso e grande persistência.
Harmoniza com sobremesas a base de chocolate amargo, café e frutas secas escuras, além de queijos fortes, de veio azul ou cura longa.
Gostei muito e trouxe uma garrafa para saborear com sobremesa no Brasil.
Jerez Dry Sack
Elaborado pela Bodega Williams & Humbert com uvas Palomino.
Tem cor âmbar brilhante. O teor alcoólico é de 15,5%.
O aroma é de amêndoas, nozes, caramelo e baunilha.
Em boca apresenta corpo médio e boa persistência.
Harmoniza com queijos curados, aperitivos e carne curada.
Este vinho é bem agradável.
Jerez Bertola
Este vinho é elaborado pela Bodega Díez Mérito com uvas Palomino e classificação Palo Cortado.
Apresenta cor âmbar tendendo a mogno. O teor alcoólico é de 18%
O aroma é de nozes com toques cítricos. Em boca reflete o aroma.
Tim tim!
Bete Yang, é Engenheira Civil, formada em 1975 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é enófila desde 1996 quando visitou região vinícola de Stellenbosch na África do Sul. Fez cursos de vinhos em Curitiba, no Vale dos Vinhedos (RS), na Associação Brasileira de Sommeliers/RJ, em Rioja (Espanha) e na Ecole du Vin de Saint-Émilion (França). Desde 2017 é membro do Viniep (Confraria de vinho do IEP- Instituto de Engenharia do Paraná). Visitou mais de 200 (duzentas) vinícolas na Europa, América do Norte e do Sul, África do Sul e Oceania.
Fotos: Bete Yang e internet
Parabéns pelo artigo Bete, muito interessante e didático.