O voo BA 5390, operado pela British Airways, ligando as cidades de Birmingham (Inglaterra) e Málaga (Espanha), era para ser mais um voo de rotina, durante o verão de 1990. Nesta época do ano, são comuns os voos ligando cidades do Norte da Europa para as quentes e badaladas praias da Espanha e Portugal. Entretanto, no voo daquela manhã de 10 de junho, algo surreal aconteceu. A história parece ter saído de um filme de ação, do tipo 007 ou Missão Impossível. Você vai ver o que aconteceu com um piloto sugado para fora do avião.
Antes, uma explicação: a ocorrência de uma despressurização explosiva é um evento incomum na aviação. Ela ocorre quando uma pequena parte da fuselagem, porta ou janela se desprende do avião, fazendo com que o ar pressurizado dentro do avião saia de forma abrupta pelo espaço provocado pela ausência da janela, porta ou por um buraco na fuselagem do avião. Se isso é raro, imagine, então, uma pessoa ser sugada por esse espaço! Pois bem: foi exatamente isso que ocorreu no voo BA 5390 de 10 de junho de 1990.
O copiloto Alastair Atchison, de 39 anos, decolou o BAC One-Eleven (foto) de Birmingham, com destino à Málaga, às 8h20, horário local.
13 minutos após a decolagem, quando o avião sobrevoava a cidade de Didcot (90 km a Oeste de Londres) a 5,3 mil metros de altitude, algo inacreditável aconteceu: o para-brisa esquerdo, do lado onde fica o comandante, simplesmente saiu voando! Ato contínuo e como consequência da despressurização explosiva da cabine, o corpo do comandante Timothy Lancaster, de 42 anos, foi sugado para fora do avião. Por sorte, seus joelhos ficaram presos entre o manche e o painel acima dos instrumentos. Em seguida o copiloto Atchison e o comissário de bordo Nigel Ogden, que estava trazendo o café da manhã naquele exato momento, seguraram o corpo do comandante pelas pernas (foto meramente ilustrativa), evitando que ele fosse completamente sugado para fora do avião.
Se para o copiloto Alastair Atchison isso já não fosse suficientemente complicado de gerenciar, a porta que separa a cabine dos passageiros do cockpit caiu sobre o pedestal, onde ficam as manetes de potência dos motores, acelerando o avião. A primeira preocupação de Atchison era evitar que seu colega saísse voando, mas, ao mesmo tempo, ele tinha que iniciar uma descida de emergência e reduzir a velocidade do avião. Todavia, devido ao imenso ruído causado pelo vento dentro do cockpit, qualquer comunicação entre o copiloto e o ATC (Air Traffic Control) era impossível.
Após iniciar a descida e reduzir a velocidade do avião, Atchison conseguiu estabelecer contato com o ATC e, diante da emergência, o controlador de voo orientou o copiloto a pousar em Southampton (110 km a Sudoeste de Londres), o que ocorreu, sem incidentes, às 8h55.
Entretanto, com a redução da velocidade durante a aproximação para o pouso, o corpo do comandante Lancaster escorregou para a lateral da fuselagem, fazendo com que seu rosto se chocasse com a janela lateral do cockpit repetidas vezes.
A cena, digna de filme de terror, terminou bem. Lancaster foi hospitalizado, com queimaduras em decorrência do ar gelado, hematomas em várias partes do corpo, fraturas no braço direito, polegar esquerdo e pulso direito. Porém, menos de seis meses após a hospitalização, o comandante Timothy Lancaster retornou aos voos, onde permaneceu na ativa até sua aposentadoria, em 2008. Seu copiloto Alastair Atchison voou também até sua aposentadoria, em 2015.
Na foto abaixo, o comandante Lancaster, no hospital, cercado pela sua tripulação.
Imagino que você esteja se perguntando: mas como um para-brisa de um avião sai voando no meio de um voo?
Pois bem, a resposta é simples: durante a troca do para-brisa do comandante, 27 horas antes do voo, o responsável pela troca utilizou parafusos com diâmetro ligeiramente menor do que o recomendado. Com a pressão interna da cabine aumentando à medida que o avião ganhava altura, os parafusos não conseguiram mais manter o para-brisa fixado em sua posição.
A polícia encontrou o para-brisas e muitos dos noventa parafusos a aproximadamente 10 km ao Leste de Didcot.
O que você, passageiro, pode tirar desta história macabra com final feliz? Uma importante lição. Nunca deixe de usar o cinto de segurança quando estiver sentado. Mesmo com o aviso de atar cintos desligados. Se Lancaster o estivesse utilizando, nada daquilo teria acontecido.
Bom voo e até o próximo encontro.
Sady Bordin tem 58 anos e trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo e atualmente é instrutor de solo e de simulador de voo na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br