Você provavelmente já deve ter vivenciado a desagradável experiência de chegar de manhã cedo ao aeroporto para pegar seu voo e ser informado que as operações de pousos e decolagens estavam suspensas por causa de um nevoeiro. Quem mora na região Sul que o diga, onde a ocorrência dos nevoeiros é muito comum durante o inverno.
O Aeroporto Afonso Pena, que atende Curitiba, é o campeão de fechamento por causa de nevoeiro no país. Em 2007 o aeroporto ficou fechado durante 196 horas ao longo de 76 dias em que houve nevoeiro. Fazendo uma conta rápida, 196 horas equivalem a 8 dias inteiros! Imagine o tamanho do prejuízo que as companhias aéreas tiveram por conta do cancelamento de centenas de voos.
Mas, respondendo à pergunta do título deste artigo: sim, é possível uma aeronave pousar sem visibilidade e com segurança.
Entretanto, vale ressaltar que para executar essa operação, tanto pilotos, aeronaves e aeroportos devem estar homologados para operar o ILS Categoria III. Infelizmente não é o caso do Afonso Pena nem da maioria dos aeroportos brasileiros.
Mas, afinal, o que é o ILS?
O sistema de aproximação e pouso por instrumento, utilizado pela aviação no mundo inteiro e conhecido pela sigla ILS, abreviatura em inglês para Instrument Landing System, permite a aproximação e pouso de aeronaves mesmo com visibilidade restrita e teto baixo.
O ILS começou a ser testado nos Estados Unidos nos idos de 1929.
Em 26 de janeiro de 1938 um Boeing 247D da Pennsylvania Central Airlines (foto abaixo) procedente de Washington pousou com segurança no aeroporto de Pittsburg durante uma forte nevasca que restringia bastante a visibilidade. Aquele foi o primeiro pouso no mundo de uma aeronave civil de passageiros com auxílio do ILS.
Era o início de uma nova era da aviação comercial.
Mas como é possível para pilotos pousar uma aeronave com a visibilidade restrita?
Basicamente, o funcionamento do ILS é muito simples: durante uma aproximação, sinais de rádio captados pelos instrumentos do avião orientam a trajetória lateral do voo (alinhamento do avião com a linha central da pista) através de sinais emitidos por uma antena localizada no final da pista de pouso e a trajetória vertical do voo (rampa ideal de aproximação) através de uma antena localizada ao lado da pista que também envia sinais de rádio para a aeronave. Sofisticados instrumentos na cabine de comando dos aviões captam estes sinais e indicam aos pilotos, através dos instrumentos no painel, a trajetória lateral e vertical ideal para chegarem com segurança até a pista de pouso.
Abaixo, na carta de procedimento de pouso para a pista 1 da direita, através do ILS (Cat II e III), do aeroporto de Kansas City, podemos observar no canto esquerdo superior a frequência do rádio que irá enviar os sinais para o avião (110.75), o curso de aproximação (011 graus), as trajetórias laterais e verticais de voo e um importante aviso no rodapé: requerido certificação especial da tripulação e do avião.
Por isso, sempre que um piloto pretende executar o ILS Cat II ou III, o controlador de voo pergunta se os mesmos (piloto e copiloto) estão homologados para executar o procedimento. Caso contrário, eles não poderão prosseguir para pouso e deverão alternar o voo para outro aeroporto.
O ILS divide-se em três categorias. A categoria I não requer treinamento especial da tripulação. Todavia, é necessário um mínimo de 700 metros de visibilidade. Já a categoria II requer treinamento especial e a visibilidade mínima cai para 300 metros.
Nos anos 60, visando diminuir os cancelamentos e atrasos nos voos devido ao mau tempo, os ingleses começaram a trabalhar na aproximação e pouso sem visibilidade alguma. Chegou-se então ao ILS Categoria III, no qual é possível a aproximação e pouso sem visibilidade! Em 1962 ocorreu o primeiro pouso totalmente automático de um avião comercial, o qual comprovava ser possível pousar uma aeronave com segurança independentemente de visibilidade.
Ah, esqueci de comentar: quem faz o pouso na condição zero visibilidade é o piloto automático. Os pilotos são treinados para assumir o comando e iniciar uma arremetida caso alguma falha ocorra no automatismo ou no sinal de rádio enviado a partir das antenas do aeroporto, mesmo que o avião já tenha tocado as rodas sobre a pista!
Em 1964 a Alitalia foi a primeira companhia aérea do mundo a ser certificada para operar ILS Categoria III e em 10 de junho de 1965 ocorreu o primeiro pouso feito com auxílio do piloto automático (Autolanding) em um voo regular de passageiros da British Airways, de Paris para o aeroporto de Heathrow, em Londres, realizado por um Trident (foto abaixo).
Era o início da era das aproximações e pousos que não dependiam mais de visibilidade para os pilotos poderem enxergar a pista.
Enfim, a tecnologia para aproximações e pousos sem visibilidade já existe há 56 anos! Mas, apesar da tecnologia, os voos domésticos no Brasil não são homologados para executar o procedimento ILS Categoria III. O motivo é financeiro: apenas um aeroporto (Guarulhos) opera com esse sistema. O custo para treinar pilotos em simuladores e homologar os aviões é muito alto para se operar em apenas em um único aeroporto e somente em algumas aproximações por ano. Assim sendo, só nos restam as operações ILS Categoria I e II, que, ao contrário do Categoria III, exigem um mínimo de visibilidade.
Abaixo, uma imagem real da cabine de comando de um A340 pousando com auxílio do ILS Cat III. Os pequenos pontos brancos no centro da pista são as luzes centrais da pista. Legal, não?
Bom voo e até a próxima coluna.
Sady Bordin tem 58 anos e trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo e atualmente é instrutor de solo e de simulador de voo na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br