Acredite se quiser: inventos do século XV e XVIII ainda são usados para medir as velocidades aeronáuticas, seja ele um monomotor ou um Boeing 747.
A primeira criação emprestada pela aviação é a unidade de medição de velocidade baseada em nós (do inglês knots), surgida no século XV. O sistema era feito a partir de um barquinho de madeira e uma corda com vários nós espaçados entre si a cada 14,4 metros (foto abaixo).
Apesar de ser um pouco trabalhoso, o sistema era simples de ser operado: o pequeno barquinho de madeira era colocado na água ao lado da embarcação e à medida que a embarcação se movia, o barquinho puxava a corda ao lado da embarcação. Com o uso de uma ampulheta, o marinheiro media o tempo em que os nós da corda passavam ao largo do barco. Com o uso de uma regra de três simples (velocidade = distância/tempo), ele podia calcular com precisão a velocidade da embarcação naquele momento. Era o velocímetro da época.
Um nó corresponde a 1 milha náutica (equivalente a 1.852 metros) e seu valor foi adotado oficialmente na I Conferência Hidrográfica Internacional, realizada em Mônaco, em 1929.
Nos aviões, uma das medidas de velocidade utilizada é feita em nós, como podemos ver no velocímetro (imagem abaixo) de um pequeno avião.
Para converter a velocidade em nós por quilômetros por hora, basta multiplicar a velocidade indicada em nós por 1,852. Por exemplo: se o ponteiro estiver marcando 100 knots, significa que o avião está se movendo no ar a exatos 185 km/h (100 knots x 1.852 metros).
Legal! Mas quem envia a informação da velocidade para o velocímetro do avião?
Aí entra o Rio Sena na história e a criação do engenheiro francês, especializado em hidráulica, Henri Pitot (1695–1771). Pitot, que utilizava o Rio Sena como laboratório para suas experiências, criou um instrumento, registrado em 1732, para medir a velocidade da água do rio. Esse instrumento foi aprimorado no século XIX pelo seu xará, o engenheiro francês Henry Darcy (1803-1858).
Finalmente, no século XX, foi adaptado para o uso aeronáutico com a finalidade de medir a velocidade do ar que passa pelo avião, com o sugestivo nome de Tubo de Pitot. Assim como a água, usada por Pitot em seu invento, o ar também é um fluído.
Nos aviões pequenos o Tubo de Pitot fica debaixo da asa (foto abaixo).
Já nos aviões maiores, ao lado da fuselagem (foto abaixo).
Como podemos ver na foto acima, nos aviões maiores eles aparecem sempre em duplas, sendo duas para o comandante e duas para o copiloto. O motivo disso é assegurar a redundância do sistema. Se um Tubo de Pitot deixar de funcionar, o outro assume instantaneamente o papel do que falhou.
Saber a velocidade exata do avião é fundamental para o piloto poder operar o avião com segurança. O uso dos flaps e trem de pouso tem, por exemplo, limitações de velocidade. E, o mais importante: se o avião voar abaixo de determinada velocidade mínima para um dado peso, ele perde a sustentação. E, se voar acima da velocidade máxima, compromete sua estrutura e controlabilidade.
Muito bem: já conhecemos a origem da velocidade em nós e de onde vem a informação que alimenta o velocímetro do avião.
Mas um problema surgiu com o advento da pressurização e dos motores a reação, que permitiram aos aviões voarem em altitudes muito elevadas: a diminuição da densidade do ar. À medida que o avião sobe, a densidade do ar diminui. Ou seja: tem muito menos moléculas de ar do que ao nível do mar. Veja a ilustração abaixo.
A 40 mil pés, por exemplo, há apenas ¼ de densidade do que ao nível do mar (ver tabela abaixo). Isso significa que muito menos moléculas de ar irão passar pelo Tubo de Pitot.
Desta forma, a indicação da velocidade a 40 mil pés será muito diferente daquela que o avião teria em baixas altitudes. Para você entender melhor o efeito da densidade do ar sobre a velocidade indicada no painel do avião, veja, por exemplo, a velocidade indicada no painel este Boeing 737 voando a 41 mil pés:
Isso mesmo: apenas 234 nós, o que equivale a 433 km/h (234 nós x 1,851 km/h).
Sabemos, porém, que esse avião não está, de fato, voando a esta velocidade. Ela é muito baixa para um jato em voo de cruzeiro. Mas, então, qual a velocidade real deste avião?
SAIBA MAIS: O que fazem o piloto e o copiloto no comando do avião
Para responder a esta pergunta, vamos falar em outra unidade de medida de velocidade: o famoso número Mach, que recebeu esse nome em homenagem ao físico e filósofo austríaco Ernst Mach (1838-1916). Essa designação foi proposta pelo engenheiro aeronáutico suíço Jakob Ackeret (1898-1981) em 1929.
Para resolver o problema do ar rarefeito em altitudes na indicação de velocidade, foi adotado o uso do número Mach como padrão de velocidade para altas altitudes. Essa unidade de medida está relacionada à velocidade do som. Uma unidade Mach equivale a uma unidade da velocidade do som. Todavia, essa velocidade também varia com a altitude. Complicado, não? Mais ou menos. Veja na tabela abaixo como a velocidade do som se comporta em diferentes níveis de voo.
Opa, agora ficou fácil: podemos ver que a 40 mil pés a velocidade do som equivale a 1.062 km/h. Então, para sabermos a real velocidade do exemplo do Boeing 737 acima, basta multiplicarmos o número Mach indicado no painel do avião (.791) pela velocidade do som naquela altitude (1.062 km/h), o que nos dá uma velocidade de 840 km/h (Mach .791 x 1.062). Essa é mais ou menos a velocidade padrão de um avião comercial.
Como curiosidade, o primeiro avião a vencer a barreira do som e voar acima de Mach 1 foi o Bell X-1 (foto abaixo), pilotado pelo Capitão Chuck Yeager, em 14 de outubro de 1947. Naquele voo ele atingiu a impressionante velocidade (para a época) de Mach 1.07.
Voltando à nossa aviação comercial: utiliza-se a velocidade indicada em nós até 28.000 pés (mais ou menos) de altitude. Acima desta altitude, passa-se a voar utilizando-se a velocidade indicada em número Mach. Desta forma, quando o controlador de voo quer instruir um piloto a aumentar ou diminuir a velocidade, ele utilizará nós para altitudes menores e número Mach para altitudes maiores.
Agora vamos adicionar um complicador: o fator vento na velocidade do avião. O vento não irá alterar a velocidade indicada no painel, seja ela em nós ou em Mach. Mas vai influenciar a velocidade do avião em relação ao solo, conhecida no meio aeronáutico como Ground Speed.
Caramba, mais isso ainda? Pois é. Se você me permite, vou usar um exemplo pessoal para ilustrar a influência do vento durante um voo.
No comando de um Embraer 195 da Azul, fazendo o voo regular 2805 de Foz para Curitiba, no dia 13 de junho de 2018, bati meu recorde de velocidade de solo ao atingir a marca de 582 nós de Ground Speed (veja foto do painel no momento em que o avião atingiu aquela velocidade).
582 nós equivalem a 1.077 km/h! Ué, mas um avião comercial pode voar acima da velocidade do som? Teoricamente, não. Eles não são projetados para isso. Mas, na verdade, a velocidade do avião em relação ao ar era de apenas Mach 0,77, o que equivale a 818 km/h (1.063 km/h x 0.77).
OK, mas então de onde vem a diferença de 259 km/h entre a velocidade indicada em Mach (818 km/h) e a indicada em Ground Speed (1.077 km/h). Simples: do vento de cauda, que aumentou a velocidade de solo, que é calculada, por sua vez, pelo GPS do avião.
Se o vento for de cauda, a Ground Speed aumenta. Se for de proa, a Ground Speed diminui.
Bom, se você ainda não entendeu bem, não se preocupe. O importante de tudo isso é que se o avião em que você estiver voando pegar um vento de cauda, você chegará antes ao seu destino.
Bom voo e até o próximo encontro.
Sady Bordin tem 58 anos. Trabalhou como piloto de linha aérea por 12 anos, sendo 5 como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo. É instrutor de simulador na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br