Se o Brasil é conhecido por sua larga produção de cachaça entre os destilados, um trio de amantes do gim está dando ao país um reconhecimento inédito na produção de uma das bebidas mais famosas do mundo.

O italiano Arturo Isola, o brasileiro Alexandre Mazza e o argentino Tato Giovannoni criaram a Amázzoni, que ganhou o prêmio de melhor produtor artesanal da bebida no World Gin Awards em 2018 e que tem uma filosofia de qualidade e integração social.

Isola não trabalhava com o setor de bebidas, sendo arquiteto e designer por formação. Já Mazza é artista plástico e músico, além ter sido barman e gerente de restaurantes. Giovanonni, por sua vez, é mixologista e dono do Florería Atlântico, em Buenos Aires, na Argentina.

Em entrevista à Ansa, Isola contou que mora no Brasil há dez anos e que sentia falta de bebidas destiladas de qualidade no país – que não fossem cachaça. Ele percebeu algo que considera muito comum entre as pessoas: a preocupação sobre o que se come, mas nenhum cuidado especial na escolha das bebidas alcoólicas. Por isso, começou a estudar e se aprofundar na produção de gim.

“Foi um processo muito longo, muito meticuloso porque não tinha um prazo, não tinha nenhum prazo para entregar isso para algum investidor. Fui fazendo tudo com muito carinho porque era para mim. E, contemporaneamente, estudando isso, me dei conta que a minha palavra chave era ‘artesanal’ porque eu sou um cara que escolhe comida de qualidade, feita em pequenas quantidades, orgânica, artesanal”, explica.

“Então, nessa pesquisa toda, eu queria fazer uma bebida de qualidade e levei essa condição ao extremo porque uma bebida, para mim, tem que ser boa, eu vou querer beber e me divertir muito sem ter ressaca, sem passar mal. E isso só aumentou a minha preocupação com esse grande equívoco que existe no mercado: muita preocupação com comida e nenhuma preocupação com bebida”, acrescenta.

Destilaria fica numa antiga fazenda de café

Após esse longo processo de pesquisas e testes, já com a receita do gim pronta, Isola conta que foi procurar um alambique e percebeu que não havia nenhum disponível como ele queria. Após projetar e produzir esse item fundamental, o italiano de Gênova foi atrás de um local que pudesse abrigar a nova empresa e optou por uma fazenda abandonada em Barra Mansa, no Rio de Janeiro.

Para a receita, Isola pensou em uma fórmula que mistura ingredientes do Velho e do Novo Mundo para “respeitar” os 400 anos de tradição na bebida, mas ao mesmo tempo criando um gim com “alma brasileira”.

A fórmula usa zimbro, louro, limão, coentro, mexerica, aroeira, cacau, castanha-do-Pará, maxixe e cipó-cravo. “Os cinco ingredientes do Velho Mundo e os cinco ingredientes brasileiros, que representam as cinco biodiversidades do Brasil. Não é o gim do Rio, da Amazônia, mas brasileiro”, explica o fundador da marca à Ansa.

Mulheres

Isola conta que, mesmo com a produção maior hoje em dia, sua preocupação com a qualidade e o envolvimento social continua como no início. Um dos destaques da Amázzoni é a contratação apenas de mão de obra feminina para a produção do gim, algo que está ligado à filosofia e à criação da marca.

“A gente só emprega mão de obra feminina porque a Amázzoni nasceu desde o começo como um tributo, uma homenagem às mulheres e ao público feminino. Primeiro, o nome: Amázzoni é uma palavra italiana que quer dizer ‘guerreiras amazonas’ e tem a ver com a floresta amazônica. Mas o que nos interessava era o feminino, para começar lá da ‘mamma’ [mãe em italiano]. Amazônia para mim é mulher, pura, engenheira, maravilhosa e representa muito bem a pureza das águas, e a água tem muita participação no nosso destilado”, explica o italiano.

Além disso, a “musa” da marca é a índia tupi-guarani Naiá, famosa em uma lenda amazônica que dizia que ela se tornaria uma estrela se conseguisse abraçar a Lua. Por isso, em uma noite, ela viu o astro refletido em um lago e se jogou na água, afogando-se. Jaci, a Lua, se encantou pela inocência da índia e a retirou do lago, transformando-a em estrela – mas não uma estrela comum, e sim a vitória-régia, um dos símbolos da Amazônia e que só abre suas pétalas ao luar.

“Isso, para a gente, representa a ingenuidade, a pureza, o ‘não me importo com o que os outros dizem e eu vou fazer porque eu acredito’. E, intrinsicamente, uma mensagem de que nossa missão na vida é correr atrás dos sonhos, não importa o quão maluco eles sejam, por mais impossíveis que pareçam, se a gente acreditar, a gente vai conseguir”, acrescenta.

Pandemia

Questionado se a pandemia da Covid-19 afetou a Amázzoni, Isola diz que o cenário não foi problemático, mas obrigou a destilaria a “inventar dinâmicas e fazer uma reflexão muito positiva”.

A principal mudança foi no público comprador do destilado. Antes da crise sanitária, as vendas eram 90% para bares e restaurantes, e os 10% restantes eram destinados à exportação para três países (Itália, Portugal e Reino Unido) e para o varejo. Agora, o setor de bares e restaurantes representa apenas 40% das vendas, enquanto 60% vão para mais de 10 países e para o comércio varejista.

“Uma das grandes qualidades de uma empresa pequena é ter agilidade para esquivar-se e mudar. Isso é possível quando você tem em mãos um produto de valor, e a Amázzoni definitivamente é a líder de vendas no mercado artesanal do Brasil, é o único brasileiro exportado”, ressalta.

Isola pontua que as suas metas para o futuro são as mesmas de quando começou: fazer do gim brasileiro uma “marca global” e “levantar a bandeira do artesanal, desse estilo de vida mais moderado, mais aberto, de consumo consciente, de fazer bem e sustentar produtores locais”.

Fonte: Ansa

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