“Sul123! Suba e mantenha seis mil pés e curve à direita, proa 120”.
Imagine que um avião da Sul (nome fictício) acabou de receber essa instrução do controlador de voo. OK. Mas quem na cabine irá falar com o controlador e quem irá comandar o avião para subir e virar à direita?
Para evitar confusão e ficar claro sobre quem faz o quê, existe uma divisão de atribuições dentro da cabine de comando.
Aviões de passageiros são projetados para serem operados por dois tripulantes: o comandante e o copiloto. Nos aviões antigos existia também o engenheiro de voo, como nos Boeing 727, que ainda voam no Brasil pela Total.
Visando aumentar a segurança de voo e padronizar a divisão de tarefas no cockpit, com o passar dos anos surgiu o conceito do Pilot Flying (piloto que efetivamente pilota o avião) e do Pilot Monitoring (piloto que monitora o voo e auxilia o piloto que está pilotando o avião).
No exemplo acima, quem irá operar o rádio e se comunicar com o controlador de voo é o PM (Pilot Monitoring). Já quem irá comandar o piloto automático para fazer o avião subir e curvar à direita é o PF (Pilot Flying).
Na foto abaixo é possível deduzir que quem está na função de PF é o copiloto (sentado do lado direito), pois é ele que está operando o avião (repara em sua mão esquerda operando o piloto automático). Já o piloto que está monitorando (PM), é o comandante do voo, que normalmente ocupa o assento da esquerda.
Na prática, funciona assim:
O PM recebe a instrução do controlador de voo e confirma: “OK, Sul 123, subir para seis mil pés e curvar a direita na proa 120”. Por sua vez, o PF irá repetir a instrução e comandar o piloto automático do avião para subir para seis mil pés, colocando este número na janela de altitude do painel e, confirmando verbalmente, “seis pés”, apontando com o dedo para a janela. O PM irá confirmar o número e irá repetir “seis mil pés, checked”. Em seguida o PF irá comandar o botão da proa do avião para 120, irá apontar para a janela da proa onde estará o número 120 e repetirá “120”. Finalmente (ufa), o PM irá confirmar a proa 120 dizendo “120”.
Uau, complicado, você pode estar pensando.
Pois é, mas todo esse falatório, dupla checagem e confirmações são para mitigar o famoso erro humano.
Se o controlador instruiu o piloto para subir para seis mil pés, é porque, provavelmente, há um outro avião descendo para sete mil pés!
Além de cuidar da comunicação, de monitorar o voo e auxiliar o PF, o PM também fica responsável pelo preenchimento da famosa navegação.
Veja, abaixo, a navegação de um voo hipotético de Porto Alegre (SBPA) para Belo Horizonte (SBCF) para um Airbus A320.
Essa navegação traz inúmeras informações, mas duas são muito importantes para serem checadas ao longo do voo: os horários estimados para cada posição do voo e, o mais importante, a quantidade de combustível que tem que estar nos tanques do avião em cada posição da navegação. Essa conferência é de extrema importância para os pilotos se certificarem de que não esteja ocorrendo um vazamento de combustível.
Por exemplo: na posição BUTKI (ver abaixo), nosso avião deve estar passando exatamente 27 minutos após a decolagem e temos que ter nos tanques pelo menos 6,4 mil quilos de combustível. Repare que existem pontilhados na navegação. Esse espaço é justamente para o PM preencher para fazer a conferência.
Se nosso hipotético avião decolou às 8h, então ele deve passar pela posição BUTKI às 08h27 com 6,4 mil quilos de combustível. Uma eventual diferença nestas estimativas pode ser atribuída a desvios de rota ou um vento ligeiramente diferente do previsto na navegação.
Por sua vez, o PF é o responsável pela inserção da navegação no FMS (computador de voo) antes de voo.
No solo, a comunicação com a torre será sempre responsabilidade de quem está sentado à direita, ou seja: do copiloto. Mas a partir do início da decolagem, a comunicação será responsabilidade do PM, ou seja: do piloto que está monitorando. Isso permite que o piloto que está efetivamente pilotando o avião se concentre na pilotagem, deixando a comunicação para quem não está pilotando. Tanto o recolhimento do trem de pouso e dos flaps no voo também é executado pelo Pilot Monitoring, a pedido do Pilot Flying.
No próximo encontro irei explicar como funciona essa divisão de tarefas numa fase crítica do voo: a corrida de decolagem. Vamos descobrir quem fala com a torre, quem acelera o avião, quem checa os instrumentos e quem irá interromper a decolagem, caso seja necessário.
Bom voo e até breve.
Sady Bordin tem 58 anos. Trabalhou como piloto de linha aérea por doze anos, sendo cinco como comandante de Embraer 190/195 na Azul Linhas Aéreas. Tem mais de 7 mil horas de voo. Foi instrutor de simulador na EPA Training Center. sady@embraer195.com.br